Tratamento de câncer retal com a dieta carnívora: um acompanhamento de 24 meses



Em um relato publicado no American Journal of Medical Case Reports, os pesquisadores Csaba Tóth e Zsófia Clemens descreveram a evolução de um paciente com adenocarcinoma retal tratado com uma abordagem nutricional não convencional: a dieta paleolítica cetogênica (PKD). Esta dieta, baseada exclusivamente em alimentos de origem animal, ricos em gordura e vísceras, foi utilizada como terapia principal durante dois anos, com monitoramento rigoroso de parâmetros clínicos, laboratoriais e de imagem.

Histórico clínico e decisão terapêutica

O paciente, de 62 anos, apresentava hipertensão crônica e histórico de sangramento retal esporádico. Em maio de 2015, exames revelaram um tumor retal de 6 cm, classificado como T3N1M0. Foi oferecido o tratamento padrão — radioterapia associada à quimioterapia, seguida de cirurgia — mas o paciente recusou a quimioterapia e posteriormente também rejeitou a cirurgia, aceitando apenas a radioterapia por seis semanas.

Implementação da dieta paleolítica cetogênica

A dieta foi iniciada em 28 de maio de 2015. Baseava-se em carnes vermelhas e gordurosas, órgãos (como fígado) e banha, com proporção gordura:proteína de aproximadamente 2:1 em peso. Todos os alimentos não compatíveis com a proposta evolutiva foram excluídos: grãos, laticínios, óleos vegetais, leguminosas, vegetais do tipo nightshade (como tomate e berinjela), adoçantes, alimentos processados e suplementos.

Resposta clínica e laboratorial

Nos cinco primeiros meses de adesão estrita, observou-se regressão do tumor, queda nos marcadores tumorais (CEA e CA19-9) e normalização de parâmetros inflamatórios (PCR, VSG, fibrinogênio). O paciente entrou e permaneceu em cetose durante todo o período, com monitoramento diário de corpos cetônicos urinários e glicemia.

Após esse período inicial, a adesão à dieta tornou-se irregular, com reintrodução ocasional de álcool, café em excesso e alimentos não permitidos. Apesar da manutenção da cetose, houve elevação progressiva de marcadores inflamatórios e tumorais, bem como surgimento de novos sintomas intestinais.

Efeitos colaterais e reversão com dieta estrita

Em janeiro de 2017, exames laboratoriais revelaram inflamação significativa (PCR: 97,4 mg/L) e anemia por deficiência de ferro. A reintrodução rigorosa da versão mais restrita da dieta — exclusivamente carne e gordura animal — por três semanas resultou em rápida normalização dos marcadores inflamatórios e resolução dos sintomas intestinais. No entanto, o paciente voltou a relaxar as restrições pouco depois, o que culminou, em maio de 2017, na necessidade de cirurgia devido à recorrência dos sintomas e descoberta de metástases hepáticas.

Avaliações por imagem

Exames de ressonância magnética e ultrassonografia indicaram regressão tumoral nos primeiros meses e estabilidade nas fases seguintes. A melhora estrutural foi confirmada por alterações no padrão ecográfico e redução do número de linfonodos aumentados. Adicionalmente, testes de permeabilidade intestinal mostraram normalização após 23 meses de dieta, sugerindo impacto na integridade da barreira intestinal — aspecto relevante, já que aumento da permeabilidade está associado à progressão tumoral.

Considerações dos autores

Os autores atribuem os benefícios clínicos iniciais à combinação da cetose nutricional e exclusão rigorosa de componentes pró-inflamatórios presentes em dietas modernas, como óleos vegetais, laticínios e grãos. A PKD, ao contrário da dieta cetogênica clássica (que frequentemente inclui laticínios e óleos vegetais), parece oferecer vantagens adicionais pela sua base exclusivamente animal e compatível com a biologia evolutiva humana.

Além disso, argumenta-se que a falha em manter todos os critérios da dieta, mesmo com presença de cetose, pode ser suficiente para reverter os ganhos terapêuticos. A elevação de PCR e a queda do ferro, por exemplo, coincidiram com lapsos alimentares e são reconhecidos como preditores negativos no prognóstico do câncer colorretal.

Conclusão

A dieta paleolítica cetogênica permitiu retardar a cirurgia oncológica por dois anos em um paciente com câncer retal. A regressão tumoral e a normalização de biomarcadores ocorreram durante a fase de adesão plena. A interrupção parcial das diretrizes alimentares foi acompanhada por estagnação e, posteriormente, progressão clínica.

Este caso reforça a hipótese de que estratégias alimentares estritas, centradas em alimentos de origem animal, podem ter papel terapêutico relevante em certos tipos de câncer. A eficácia, no entanto, parece depender de uma adesão total às diretrizes alimentares — não bastando a presença de cetose isoladamente.

Fonte: https://doi.org/10.12691/ajmcr-5-8-3

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