Corpos cetônicos: muito além de fonte alternativa de energia


Por muitos anos, os corpos cetônicos foram vistos apenas como subprodutos do metabolismo da gordura, utilizados como fonte de energia alternativa durante períodos de jejum ou restrição de carboidratos. No entanto, estudos mais recentes têm revelado que essas moléculas desempenham papéis amplos e sofisticados na regulação de processos celulares, inflamação, sinalização genética e até expressão epigenética.

O artigo “Not Just an Alternative Energy Source: Diverse Biological Functions of Ketone Bodies and Relevance of HMGCS2 to Health and Disease”, publicado na revista Biomolecules, oferece uma revisão abrangente sobre essas funções. O foco principal é o beta-hidroxibutirato (BHB), o principal corpo cetônico circulante em humanos.

Beta-hidroxibutirato: molécula sinalizadora com efeitos epigenéticos

O BHB, além de sua função energética, atua como molécula sinalizadora e reguladora epigenética. Ele inibe as histona deacetilases (HDACs), promovendo alterações na expressão gênica que favorecem a proteção celular contra o estresse oxidativo. Essa modulação epigenética está associada à redução de inflamação e ao aumento da resistência ao estresse metabólico, o que pode beneficiar tecidos como cérebro, músculo e fígado.

Essa propriedade coloca os corpos cetônicos em uma posição estratégica como agentes protetores em situações de estresse celular e doenças crônicas.

Atividade anti-inflamatória e neuroprotetora

A cetose nutricional — estado em que há aumento sustentado de BHB no sangue — promove a inibição da via inflamatória mediada pelo complexo inflamasoma NLRP3. A ativação deste inflamassoma está implicada em doenças neurodegenerativas como Alzheimer, Parkinson, esclerose múltipla e epilepsia. A supressão dessa via pelo BHB abre possibilidades terapêuticas em condições nas quais a inflamação crônica de baixo grau é um fator central.

Além disso, há indícios de que o BHB pode preservar a função mitocondrial e promover a biogênese mitocondrial, contribuindo para a saúde celular a longo prazo.

Enzima-chave: HMGCS2

A HMG-CoA sintase 2 (HMGCS2) é a enzima limitante na produção hepática de corpos cetônicos. Sua expressão é fortemente regulada por fatores nutricionais e hormonais, como jejum, dieta cetogênica e níveis de insulina e glucagon. Curiosamente, o artigo aponta que a expressão de HMGCS2 está reduzida em várias condições patológicas — como câncer colorretal, doenças hepáticas, doenças neurodegenerativas e diabetes — sugerindo que a capacidade comprometida de produzir corpos cetônicos pode estar associada à progressão dessas doenças.

Por outro lado, há evidências de que a indução da HMGCS2 e o aumento da cetogênese podem ter efeitos terapêuticos ao restaurar o metabolismo energético celular e reduzir processos inflamatórios.

Relevância terapêutica

A crescente compreensão das múltiplas funções dos corpos cetônicos tem impulsionado o interesse em abordagens terapêuticas baseadas na indução da cetose — seja por meio de dieta cetogênica, jejum intermitente ou uso de cetonas exógenas.

O artigo destaca aplicações clínicas emergentes da cetose em diversas áreas:

  • Neurologia: como adjuvante no tratamento de epilepsia, Alzheimer, Parkinson e esclerose múltipla;
  • Oncologia: como estratégia metabólica complementar no manejo de certos tipos de câncer;
  • Metabolismo: como alternativa terapêutica na resistência à insulina, obesidade e diabetes tipo 2.

Conclusão

Os corpos cetônicos, em especial o BHB, desempenham um papel muito mais amplo do que se supunha. Sua atuação vai da regulação epigenética à proteção mitocondrial e imunomodulação. A enzima HMGCS2, responsável por sua produção, é um ponto chave nesse processo e sua desregulação pode estar envolvida na gênese de diversas doenças crônicas.

Compreender essas funções abre caminhos para intervenções clínicas inovadoras baseadas no estado de cetose — não apenas como uma adaptação metabólica, mas como uma poderosa ferramenta terapêutica.

Fonte: https://doi.org/10.3390/biom15040580

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