Experiências subjetivas e alterações em exames sanguíneos em indivíduos da Alemanha após adotarem uma "dieta carnívora"


Durante décadas, a dieta baseada em alimentos de origem animal foi retratada como uma escolha radical, muitas vezes ignorada pelas ciências nutricionais convencionais. Contudo, com o aumento da popularidade de dietas como a cetogênica e a “zero carb”, uma vertente mais extrema ganhou visibilidade: a dieta carnívora, que exclui completamente alimentos de origem vegetal. Um novo estudo exploratório, conduzido por pesquisadores na Alemanha, buscou investigar os efeitos dessa estratégia alimentar, não apenas nos marcadores sanguíneos, mas também nas experiências subjetivas dos próprios praticantes.

Um retrato dos participantes

O estudo incluiu 24 indivíduos, com idades entre 26 e 62 anos, dos quais dois terços relataram alguma condição clínica, como doenças autoimunes, fadiga crônica, depressão, doenças metabólicas ou inflamatórias. O motivo mais comum para a adoção da dieta foi o desejo de melhorar a saúde. Muitos haviam tentado outras abordagens, como dietas cetogênicas, vegetarianas, veganas ou a alimentação dita “padrão”, antes de adotarem o estilo carnívoro.

A média de tempo seguindo a dieta foi de 17 meses. O consumo diário de carne variava de 250 a 1.500 gramas, com uma média de 626 gramas. Órgãos, ovos e laticínios eram consumidos por grande parte dos participantes, sendo que cerca de 25% evitavam completamente qualquer alimento vegetal sólido, incluindo adoçantes, vegetais, frutas, castanhas e grãos.

Resultados bioquímicos e percepções de saúde

Um dos destaques do estudo foi a análise de exames de sangue antes e depois da adoção da dieta. A maioria dos marcadores laboratoriais permaneceu dentro dos intervalos de referência. Contudo, houve um aumento significativo nos níveis de colesterol total e LDL (de 224 mg/dL para 305 mg/dL e de 157 mg/dL para 256 mg/dL, respectivamente). Essa elevação merece atenção, especialmente em indivíduos com predisposição genética ou risco cardiovascular.

Apesar do aumento nos níveis de colesterol, alguns participantes apresentaram melhorias relevantes em marcadores metabólicos. Aqueles com valores inicialmente elevados de HbA1c (indicador de risco para diabetes) e triglicerídeos experimentaram reduções consistentes nesses parâmetros.

Subjetivamente, a maioria relatou melhora em aspectos como energia, clareza mental, qualidade do sono, digestão, saciedade e controle de compulsões alimentares. Apenas um participante relatou piora nos níveis de energia e outro na resistência física.

Entrevistas: o que os relatos revelam

A segunda parte do estudo envolveu entrevistas qualitativas com quatro participantes, que permitiram uma visão mais íntima das motivações por trás da mudança alimentar. Três grandes temas se destacaram:

  1. Naturalidade: Muitos relataram uma busca por reconexão com hábitos alimentares considerados mais naturais e evolutivamente apropriados ao ser humano. Um ex-vegano, por exemplo, relatou ter redescoberto a sensação de saciedade e vitalidade ao voltar a consumir carne.
  2. Saúde: Problemas crônicos como psoríase, pré-diabetes, inflamações e sobrepeso foram os principais gatilhos para experimentar a dieta. Os entrevistados apontaram melhorias rápidas e visíveis, como melhora na pele, alívio de dores e até resolução de condições como fasciíte plantar.
  3. Simplicidade e liberdade: A rotina alimentar tornou-se mais prática e previsível. Muitos destacaram a autonomia em não depender de listas de compras complexas ou receitas elaboradas, além de se sentirem menos reféns da fome ou da necessidade de comer em intervalos curtos.

Reflexões e limitações

Embora os resultados sugiram benefícios subjetivos consistentes, o estudo apresenta limitações importantes: número reduzido de participantes, falta de grupo controle, autorrelato de dados e ausência de medições objetivas como corpos cetônicos ou status nutricional. Ainda assim, chama atenção a semelhança dos achados com estudos anteriores conduzidos nos Estados Unidos.

O aumento no colesterol LDL — especialmente entre indivíduos magros e metabolicamente saudáveis — pode ser explicado pelo chamado “modelo da energia lipídica”, uma hipótese recente que atribui o aumento do colesterol ao metabolismo adaptativo em dietas extremamente baixas em carboidratos. Essa condição, chamada de “fenótipo LMHR” (lean mass hyper-responder), levanta debates sobre o real risco cardiovascular nessas populações.

Conclusão

Este estudo exploratório fornece um panorama inicial sobre os efeitos da dieta carnívora em uma amostra da população alemã. Os dados indicam que a motivação principal para sua adoção é a busca por melhora de saúde, especialmente frente a doenças crônicas. Os relatos de melhora na qualidade de vida são marcantes, ainda que acompanhados por uma elevação nos níveis de colesterol que deve ser investigada com mais profundidade.

Novos estudos controlados e de longa duração são essenciais para entender os riscos e benefícios reais dessa dieta. Por enquanto, os achados reforçam que, mesmo estratégias nutricionais não convencionais, quando bem aplicadas e monitoradas, podem oferecer soluções surpreendentes para condições clínicas resistentes aos tratamentos tradicionais.


Fonte: https://doi.org/10.7759/cureus.82521

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