Avaliação farmacogenômica in silico de agonistas do peptídeo-1 semelhante ao glucagon (GLP1) e das vias relacionadas ao Escore Genético de Risco para Adição (GARS): implicações para ideação suicida e transtorno por uso de substâncias
O uso crescente de medicamentos agonistas do receptor de GLP-1, como o Ozempic (semaglutida), para o controle de obesidade e diabetes tipo 2 tem despertado atenção não apenas por seus benefícios metabólicos, mas também por possíveis efeitos colaterais que ainda estão sendo desvendados. Um estudo recente publicado na Current Neuropharmacology oferece uma análise detalhada das vias genéticas associadas ao uso desses fármacos e seus potenciais impactos sobre o risco de ideação suicida (IS) e transtornos por uso de substâncias (TUS), à luz da farmacogenômica.
Utilizando modelos in silico, os autores investigaram as interações moleculares entre os agonistas de GLP-1 e genes associados à regulação dopaminérgica, ao comportamento aditivo e à depressão. Para isso, integraram dados de bancos de dados genéticos (como DrugBank e GeneCards) com o painel GARS (Genetic Addiction Risk Score), uma ferramenta genômica que avalia a predisposição genética ao transtorno de deficiência de recompensa (RDS), uma condição relacionada a níveis baixos de dopamina no cérebro.
Os resultados mostraram que 29 genes apresentavam forte interação com o receptor GLP-1 (GLP1R), incluindo genes críticos como DRD3, BDNF, CREB1, CRH, IL6 e DPP4. Esses genes desempenham papéis centrais em vias neurológicas ligadas ao prazer, motivação e resposta ao estresse — processos profundamente afetados em indivíduos com depressão e transtornos aditivos. O estudo demonstrou que o uso prolongado de agonistas GLP1R pode interferir nessas vias, possivelmente exacerbando quadros de hipodopaminergia, o que, por sua vez, está associado a maior risco de ideação suicida.
Além disso, análises de enriquecimento genético indicaram forte associação entre os genes-alvo e doenças como depressão maior, abuso de substâncias e dependência de álcool. A ativação crônica do GLP1R parece suprimir a sinalização dopaminérgica em regiões cerebrais como o núcleo accumbens e a área tegmental ventral — componentes essenciais do sistema de recompensa do cérebro. Em modelos animais, foi observado que a semaglutida pode aumentar a atividade GABAérgica, reduzindo a liberação de dopamina e gerando um “efeito extintivo” sobre o desejo por álcool, mas ao custo potencial de afetar negativamente o humor e a motivação.
A relevância clínica desses achados está em seu caráter ambivalente: embora os agonistas GLP1R possam ajudar a reduzir o desejo por substâncias em pessoas com hiperdopaminergia (excesso de dopamina), seu uso em indivíduos com predisposição genética à hipodopaminergia — frequentemente associada ao RDS — pode agravar sintomas depressivos e aumentar o risco de suicídio. Isso levanta questões importantes sobre a individualização do tratamento com base em perfis genéticos.
O estudo também destaca alertas de agências reguladoras como a EMA e o FDA, que já investigam relatos de ideação suicida e comportamento autoagressivo associados a medicamentos como semaglutida e liraglutida. Dados da farmacovigilância europeia apontaram para uma maior frequência de relatos de eventos psiquiátricos com esses fármacos, particularmente semaglutida, reforçando a necessidade de cautela.
Embora os autores reconheçam as limitações de uma abordagem exclusivamente in silico e a necessidade de confirmação clínica, suas conclusões reforçam a importância de considerar a genética individual ao prescrever agonistas de GLP-1, especialmente para uso prolongado e em populações com histórico de depressão ou abuso de substâncias.
Este estudo inédito ilumina uma nova dimensão da farmacogenômica aplicada ao uso de fármacos metabólicos, sugerindo que o caminho para um tratamento mais seguro pode estar na combinação entre genética personalizada e vigilância clínica contínua. Ele também reforça que, na medicina de precisão, o que é terapêutico para um pode ser arriscado para outro — especialmente quando o alvo é o delicado sistema de recompensa do cérebro.
