Nas últimas décadas, a beterraba ganhou status de “superalimento” entre atletas e entusiastas do fitness, especialmente por sua alta concentração de nitrato dietético. Este composto, ao ser metabolizado pelo corpo, pode aumentar os níveis de óxido nítrico (NO), uma molécula essencial para a vasodilatação, função mitocondrial e contração muscular. Mas será que essa fama é justificada por evidências sólidas? A mais abrangente revisão sobre o tema, publicada recentemente na revista Sports Medicine, oferece respostas surpreendentes.
Este trabalho reuniu e analisou 20 revisões sistemáticas com meta-análises, cobrindo 180 estudos primários e mais de 2600 participantes. O objetivo foi avaliar os efeitos da suplementação com nitrato dietético sobre 11 categorias diferentes de desempenho físico. A principal fonte de nitrato investigada foi a beterraba, geralmente em forma de suco.
Os resultados mostraram uma realidade bem mais complexa do que o marketing dos suplementos sugere. Houve benefícios em testes de resistência até a exaustão (com um pequeno efeito positivo padronizado) e na distância total percorrida. A resistência muscular e o pico de potência também apresentaram leve melhora. No entanto, quando se trata de tarefas como testes cronometrados (por exemplo, corrida contra o relógio), consumo máximo de oxigênio (VO₂max), ou força muscular máxima, os efeitos do nitrato foram neutros ou insignificantes.
A qualidade metodológica das revisões analisadas também foi motivo de preocupação. Apenas 2 das 20 revisões receberam avaliação “moderada” na ferramenta AMSTAR-2, enquanto 60% foram classificadas como “criticamente baixas”. Diversas falhas recorrentes foram observadas, como ausência de justificativas para exclusão de estudos, métodos estatísticos inadequados e falta de avaliação do viés de publicação. Isso levanta dúvidas importantes sobre a confiabilidade de parte da literatura existente.
Outro ponto relevante é a variação no protocolo de suplementação. Os efeitos positivos foram mais evidentes em protocolos com doses mínimas de 6 mmol/dia (cerca de 372 mg de nitrato) e uso contínuo por mais de três dias. Ainda assim, os benefícios foram modestos. Para atletas de elite, os ganhos foram praticamente nulos, o que sugere um “efeito teto” para indivíduos já bem adaptados fisiologicamente.
A escolha da fonte de nitrato também influencia. Embora o suco de beterraba seja popular, nem todos os produtos comerciais têm a mesma concentração real de nitrato que consta no rótulo. Além disso, fatores como higiene oral — que afeta a conversão de nitrato em nitrito pelas bactérias da boca — podem reduzir drasticamente sua eficácia. É um detalhe pouco divulgado, mas de grande relevância prática.
É importante mencionar que os efeitos benéficos observados para resistência e potência muscular parecem estar mais relacionados à eficiência metabólica do músculo durante exercícios submáximos. Já a força máxima, que exige outras vias fisiológicas, parece não ser afetada de forma significativa pelo NO derivado do nitrato.
Em resumo, a beterraba pode, sim, oferecer uma pequena vantagem ergogênica em certos tipos de exercícios, principalmente para praticantes recreacionais. No entanto, os efeitos não são universais, tampouco garantidos. A maioria das promessas atribuídas à suplementação com nitrato precisa ser interpretada com cautela, especialmente diante da baixa qualidade metodológica de muitos estudos e das variações nas respostas individuais.
Para o consumidor comum e até mesmo para o atleta amador, investir em beterraba como parte de uma alimentação rica em vegetais pode ser uma escolha saudável. Porém, esperar ganhos expressivos de desempenho físico apenas com suco de beterraba é confiar demais em um alimento que, embora nutritivo, não é milagroso.