Efeito dos padrões alimentares sobre a dispepsia funcional em adultos: uma revisão sistemática


A dispepsia funcional (DF) é uma condição digestiva que afeta milhões de pessoas no mundo todo e, apesar dos avanços na medicina, continua desafiando profissionais da saúde devido à sua natureza multifatorial e à ausência de causas orgânicas claras. Essa síndrome engloba sintomas como dor ou queimação no estômago, inchaço após as refeições, saciedade precoce e náuseas. Diante da recorrente queixa de que certos alimentos agravam esses sintomas, pesquisadores passaram a investigar a influência dos padrões alimentares sobre a manifestação da DF. Este estudo, uma revisão sistemática, representa um dos esforços mais abrangentes nesse campo.

A pesquisa avaliou sete estudos (três ensaios clínicos randomizados e quatro estudos observacionais), totalizando mais de 5.900 participantes. Os autores buscaram compreender o impacto de diferentes padrões alimentares — como a dieta DASH, a mediterrânea, a vegetariana e a vegana — sobre os sintomas da DF, com ênfase especial na síndrome de desconforto pós-prandial (PDS), caracterizada por sensação de plenitude e inchaço após as refeições.

Os resultados revelaram um panorama surpreendente e, por vezes, contraintuitivo. A dieta DASH, normalmente promovida por seus benefícios cardiovasculares, foi associada a um aumento nos sintomas de PDS, especialmente quando rica em proteínas vegetais ou gorduras insaturadas. Os dados sugerem que essas versões da dieta DASH aumentaram entre 113 a 140 casos de desconforto por 1.000 pessoas — um efeito indesejado significativo. Os pesquisadores levantam a hipótese de que isso se deve à alta presença de FODMAPs e glúten, componentes conhecidos por aumentar a fermentação intestinal e a produção de gases.

No mesmo sentido, os estudos mostraram que dietas ricas em proteínas vegetais — como leguminosas, nozes e sementes — também estavam relacionadas a maior incidência de inchaço, sugerindo que o problema não está nas proteínas em si, mas nos alimentos que as fornecem, devido à sua composição fermentável.

Em contrapartida, a dieta mediterrânea apresentou resultados mais positivos. Um dos estudos, com evidência de qualidade moderada, mostrou que indivíduos com alta adesão a esse padrão alimentar apresentaram uma redução de até 151 casos de dispepsia funcional por 1.000 pessoas, comparado aos de baixa adesão. No entanto, outro estudo apontou, com evidência de baixa qualidade, uma possível associação entre a dieta mediterrânea e aumento de dor abdominal e inchaço. Essa contradição evidencia a necessidade de mais estudos robustos e padronizados.

As dietas vegetariana e vegana apresentaram resultados ainda mais incertos. A qualidade das evidências foi considerada muito baixa, dificultando qualquer conclusão sobre seus efeitos sobre a DF. Apesar de algumas análises sugerirem uma possível melhora, os dados são inconsistentes e os riscos de viés elevados.

A principal mensagem desta revisão é que padrões alimentares considerados "saudáveis" nem sempre são bem tolerados por pessoas com dispepsia funcional. Isso reforça a importância de abordagens individualizadas e da transição gradual de dietas com alto teor de fibras, especialmente quando se tratam de dietas ricas em FODMAPs. Além disso, os resultados desafiam a ideia simplista de que "mais fibra é sempre melhor", destacando a necessidade de avaliar a qualidade, origem e combinação dos alimentos consumidos.

A revisão também chama atenção para as limitações metodológicas dos estudos disponíveis: amostras pequenas, falta de padronização dos sintomas avaliados, variações nas definições dos padrões alimentares e alta presença de viés em quase todos os estudos incluídos. Isso reforça a urgência de ensaios clínicos mais rigorosos, com acompanhamento a longo prazo, que considerem o impacto real das dietas na vida de quem sofre com DF.

Para o público leigo, especialmente aqueles que enfrentam sintomas digestivos persistentes, esta revisão traz uma lição essencial: nem sempre a dieta tida como "ideal" para a saúde cardiovascular ou metabólica será benéfica para o trato gastrointestinal. O corpo humano é complexo, e o que funciona para uns pode trazer desconforto para outros. Um olhar atento, guiado por profissionais, é fundamental para encontrar o equilíbrio alimentar que respeite as necessidades e limitações individuais.

Fonte: https://doi.org/10.1186/s41043-025-00884-5

Postagem Anterior Próxima Postagem
Rating: 5 Postado por: