Alterações na microbiota intestinal associadas à intervenção com dieta pobre em carboidratos para obesidade

A microbiota intestinal, conjunto de trilhões de microrganismos que habitam o trato digestivo, desempenha papel fundamental na digestão de alimentos e no controle do peso corporal. Pesquisadores têm investigado como diferentes tipos de dieta podem modificar essa comunidade microbiana, especialmente no contexto do tratamento da obesidade. Um estudo recente examinou especificamente como uma dieta baixa em carboidratos afeta tanto a perda de peso quanto a composição da microbiota intestinal.

Metodologia do Estudo

O estudo envolveu 43 participantes com sobrepeso ou obesidade durante um período de quatro semanas. Os pesquisadores utilizaram um desenho antes-depois, onde os participantes seguiram uma dieta normal por duas semanas como linha de base, seguida por quatro semanas de intervenção com dieta baixa em carboidratos. A dieta prescrita consistia em 25% de carboidratos, 45% de proteínas e 30% de gorduras do total de calorias diárias.

Durante o período de intervenção, os participantes consumiram principalmente alimentos com baixo índice glicêmico e alto teor proteico, evitando arroz, farinhas, frutas, doces e bebidas açucaradas. O protocolo incluiu substitutos de refeição específicos: shake proteico no café da manhã, barras de substituição de refeição no almoço e jantar, além de carnes magras e vegetais não amiláceos.

Resultados na Composição Corporal

A intervenção demonstrou eficácia significativa na redução de peso. Notavelmente, 35 participantes (79,07%) perderam mais de 5% do peso corporal, com redução média de 6,14 kg no peso total, 2,26 kg/m² no índice de massa corporal (IMC) e 4,73 kg na gordura corporal. Além disso, houve diminuição significativa na área de gordura visceral e nos níveis de colesterol total.

Mudanças na Microbiota Intestinal

A análise da microbiota intestinal através do sequenciamento do gene 16S rRNA revelou mudanças importantes na composição microbiana. O estudo identificou alterações significativas em três filos, três classes, quatro ordens, cinco famílias e seis gêneros de bactérias.

Alterações nos Principais Filos Bacterianos

Entre os três filos principais, as abundâncias relativas de Firmicutes e Actinobacteriota diminuíram significativamente, enquanto Bacteroidetes aumentou de forma constante. Esta mudança é particularmente relevante, pois estudos anteriores associaram uma proporção elevada de Firmicutes em relação a Bacteroidetes com maior risco de obesidade.

Mudanças Específicas ao Nível de Gênero

No nível de gênero, observou-se redução significativa nas abundâncias relativas de Ruminococcus, Agathobacter, Streptococcus e Bifidobacterium, enquanto Parabacteroides e Bacteroides apresentaram aumento constante.

Significado Clínico das Mudanças Microbianas

Redução de Bactérias Associadas à Obesidade

O gênero Ruminococcus está associado ao aumento da absorção de açúcares através da quebra da celulose, o que pode contribuir para o ganho de peso. Sua redução após a intervenção dietética sugere um mecanismo pelos qual a dieta baixa em carboidratos pode favorecer a perda de peso.

Agathobacter, outro gênero da família Firmicutes, é produtor de butirato e sua abundância aumentada tem sido associada à obesidade. A diminuição observada neste estudo alinha-se com os benefícios da intervenção para perda de peso.

Aumento de Bactérias Protetoras

O aumento nas abundâncias de Parabacteroides e Bacteroides é particularmente benéfico, pois estes gêneros têm sido associados à proteção contra obesidade através da produção de succinato e ácidos biliares secundários. Estas bactérias também demonstraram capacidade de melhorar a sensibilidade à insulina em estudos experimentais.

Diversidade Microbiana

A riqueza da microbiota aumentou significativamente após a intervenção, conforme medido pelos índices ACE e Chao 1, sugerindo que a dieta baixa em carboidratos promoveu maior diversidade bacteriana. O aumento da diversidade microbiana é geralmente considerado benéfico para a saúde digestiva.

Limitações e Considerações

O estudo apresenta limitações por ser um estudo de braço único sem grupo controle, o que torna difícil determinar se as mudanças observadas na microbiota são exclusivamente atribuíveis à intervenção dietética. Além disso, os pesquisadores enfatizam a necessidade de orientação profissional antes de iniciar dietas restritivas em carboidratos, especialmente para intervenções de longo prazo.

Implicações para Medicina Personalizada

Os resultados sugerem que mudanças específicas na microbiota intestinal podem servir como biomarcadores para o sucesso de intervenções dietéticas, contribuindo para o desenvolvimento de terapias personalizadas contra a obesidade. A identificação de táxons microbianos responsivos à dieta baixa em carboidratos pode orientar futuras estratégias terapêuticas individualizadas.

Conclusões

Este estudo demonstra que uma intervenção de quatro semanas com dieta baixa em carboidratos não apenas promove perda significativa de peso, mas também induz mudanças benéficas na composição da microbiota intestinal. As alterações incluem redução de bactérias associadas à obesidade e aumento de espécies protetoras, sugerindo que a microbiota pode mediar os efeitos da dieta na perda de peso.

Os achados contribuem para o entendimento dos mecanismos pelos quais as dietas baixas em carboidratos exercem seus efeitos anti-obesidade e fornecem base científica para o desenvolvimento de intervenções dietéticas personalizadas. Contudo, estudos futuros com grupos controle e seguimento de longo prazo são necessários para confirmar estes resultados e esclarecer os mecanismos específicos envolvidos.

Fonte: https://doi.org/10.1515/biol-2022-0803

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