Impacto de uma dieta vegana pobre em gordura nas necessidades e nos custos de insulina em adultos com diabetes tipo 1


O estudo em questão, publicado na revista BMC Nutrition, analisa se uma dieta vegana pobre em gordura poderia reduzir a quantidade e o custo de insulina em adultos com diabetes tipo 1, em comparação com uma dieta convencional com porções controladas.

À primeira vista, os resultados parecem positivos: menor dose total de insulina e custo diário um pouco reduzido no grupo vegano. No entanto, quando se observa com atenção os desfechos, limitações e incertezas, o quadro fica bem menos empolgante, sobretudo quando o tema central é diabetes tipo 1, em que o controle da glicose ao longo do dia é o principal fator de risco para complicações.

1. O controle da glicose não foi superior à dieta convencional

O ensaio principal, publicado na revista Clinical Diabetes, avaliou a hemoglobina glicada (HbA1c) e outros marcadores clínicos. Na análise combinada dos resultados, observa-se que:

  • A HbA1c caiu em ambos os grupos (dieta vegana pobre em gordura e dieta com porções controladas).
  • Não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos em termos de HbA1c.

Ou seja, mesmo com uma redução relevante na dose de insulina no grupo vegano, o controle médio da glicose, medido pela HbA1c, não foi melhor do que o da dieta convencional.

Do ponto de vista de risco de longo prazo em diabetes tipo 1, esse é um ponto crítico: o desfecho que mais importa (controle glicêmico sustentado) não mostrou vantagem clara da dieta vegana pobre em gordura em relação à abordagem padrão.

2. Tempo em faixa, picos de glicose e variabilidade não são mostrados

Outro aspecto importante é a qualidade fina do controle da glicose ao longo do dia. Em diabetes tipo 1, a prática moderna considera:

  • Tempo em faixa glicêmica (TIR);
  • Picos de glicose após as refeições;
  • Variabilidade glicêmica (oscilações grandes ao longo do dia).

A análise publicada na BMC Nutrition foca principalmente em:

  • Dose total diária de insulina;
  • Custo estimado de insulina;
  • Peso e alguns marcadores metabólicos.

Entretanto, não são apresentadas tabelas detalhadas de monitorização contínua da glicose (CGM), nem gráficos de tempo em faixa, picos pós-prandiais ou variabilidade ao longo do dia.

Isso significa que, com base neste texto específico, não se sabe:

  • Se o grupo vegano teve mais picos pós-prandiais;
  • Se houve mais “sobe e desce” de glicose ao longo do dia;
  • Se o tempo em faixa foi melhor, pior ou igual ao do grupo convencional.

Para uma doença em que flutuações de glicose estão diretamente ligadas a risco de complicações, essa ausência de dados detalhados é uma limitação importante.

3. A dieta é rica em carboidratos e depende de insulina subcutânea mais lenta que a glicose

O padrão alimentar testado é vegano e pobre em gordura, com cerca de 75% das calorias vindas de carboidratos. Esse tipo de dieta aumenta de forma significativa a carga de glicose que entra rapidamente na circulação após as refeições.

A literatura farmacológica mostra que, mesmo com análogos rápidos de insulina, a absorção da insulina aplicada sob a pele é, em geral, mais lenta do que a subida da glicose após refeições ricas em carboidratos. Isso é justamente uma das razões para o desenvolvimento de insulinas “ultrarrápidas” e estratégias de ajuste de dose e horário de aplicação em diabetes tipo 1.

Como o estudo não apresenta em detalhe os dados de CGM, não é possível verificar, com base nesta publicação, se esse descompasso entre a velocidade dos carboidratos e a ação da insulina impactou o controle da glicose:

  • Não se sabe se o grupo vegano teve maior exposição a hiper ou hipoglicemias pós-refeição;
  • Não se sabe se foi necessário esforço maior de contagem de carboidratos e ajuste de bolus para tentar compensar.

Na prática, isso deixa uma zona de incerteza sobre a segurança e estabilidade diária da glicose com uma dieta muito rica em carboidratos em adultos com diabetes tipo 1.

4. Redução de custo de insulina é modesta e estatisticamente frágil

O estudo destaca que, no grupo vegano pobre em gordura:

  • A dose total diária de insulina caiu cerca de 28%;
  • O custo estimado de insulina reduziu cerca de 27%, o que corresponde a aproximadamente 1 dólar por dia de economia.

No entanto, há dois pontos negativos importantes:

  1. A comparação direta de custo entre os grupos não foi estatisticamente robusta, porque diferentes tipos de insulina têm preços muito variados. Isso aumenta a dispersão dos dados e enfraquece a conclusão sobre vantagem econômica clara.
  2. Mesmo assumindo a economia descrita, trata-se de valores modestos em relação ao custo global do tratamento do diabetes, que inclui consultas, exames, sensores, bombas, tiras de glicemia, entre outros.

Ou seja, o benefício econômico, embora exista dentro do grupo vegano ao longo de 12 semanas, não se traduz em uma evidência sólida de grande impacto financeiro quando comparado à dieta convencional.

5. Duração curta, amostra pequena e população muito selecionada

O próprio artigo reconhece limitações importantes:

  • Apenas 58 adultos com diabetes tipo 1 completaram o ensaio.
  • A duração foi de 12 semanas, período muito curto para uma doença crônica que se estende por décadas.
  • Os participantes eram pessoas motivadas, dispostas a aderir a uma dieta específica e a encontros semanais on-line com nutricionistas.

Esses pontos significam que:

  • Não há dados de médio e longo prazo sobre manutenção dos resultados, adesão prolongada, complicações microvasculares ou macrovasculares, eventos cardiovasculares ou progressão de doença renal.
  • Os resultados não podem ser generalizados para toda a população com diabetes tipo 1, que é muito heterogênea em termos de idade, contexto social, acesso a cuidados, padrão de atividade física e outras comorbidades.

O estudo, portanto, não responde se essa estratégia é sustentável por anos, nem se, na prática real, os mesmos resultados seriam observados.

6. Não há comparação com dietas de baixo carboidrato

Um ponto ausente, mas relevante, é que o ensaio não compara a dieta vegana pobre em gordura com dietas de baixo teor de carboidratos, que são frequentemente discutidas em diabetes tipo 1.

Assim, com base apenas nesses dados:

  • Não é possível dizer se a dieta vegana pobre em gordura oferece melhor controle glicêmico do que uma dieta baixa em carboidratos.
  • Não é possível comparar tempo em faixa, variabilidade glicêmica ou necessidade de insulina entre esses dois padrões alimentares.

Dessa forma, qualquer afirmação de superioridade da dieta vegana pobre em gordura sobre uma abordagem com menos carboidratos não é sustentada por esse estudo. Ele simplesmente não foi desenhado para responder essa pergunta.

7. Síntese dos principais desfechos

Reunindo os pontos críticos:

  • O estudo não demonstra melhora superior da HbA1c em relação à dieta convencional, apesar da queda da dose de insulina.
  • Não apresenta dados detalhados de CGM, deixando em aberto o impacto real sobre picos, tempo em faixa e variabilidade da glicose.
  • A dieta testada é muito rica em carboidratos, o que, pela farmacologia conhecida da insulina subcutânea, levanta dúvidas práticas sobre o controle de picos pós-refeição, dúvidas que o artigo não esclarece.
  • A redução de custo de insulina é modesta e, na comparação entre grupos, estatisticamente frágil.
  • A amostra é pequena, o acompanhamento é curto e a população é altamente selecionada, o que limita a generalização para a vida real.
  • Não há comparação direta com dietas de baixo carboidrato, que poderiam, em tese, oferecer outro perfil de controle glicêmico e de uso de insulina em diabetes tipo 1.

Diante disso, o estudo mostra que uma dieta vegana pobre em gordura pode reduzir a dose de insulina em 12 semanas sem piorar a HbA1c, mas não oferece evidência robusta de melhora global do controle glicêmico nem de superioridade clínica em relação a outras abordagens alimentares.

Para orientar decisões clínicas de longo prazo em diabetes tipo 1, seriam necessários ensaios maiores, mais longos, com comparação direta entre diferentes padrões alimentares e com relato completo de todos os parâmetros de controle da glicose ao longo do dia.

Fonte: https://doi.org/10.1186/s40795-025-01175-2

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