Este artigo, uma revisão sistemática com meta-análise publicada em Nutrition Reviews, analisou dados de mais de meio milhão de adultos para responder a uma pergunta direta: pessoas que seguem dietas vegetarianas ou veganas têm mais fratura de quadril do que pessoas que comem carne?
A resposta encontrada foi clara em termos de desfechos negativos:
- Vegetarianos apresentaram maior risco de fratura de quadril em comparação a onívoros.
- Veganos apresentaram risco ainda mais alto de fratura de quadril.
Esses resultados se somam a um problema já conhecido: fratura de quadril é um evento grave, associado a internações prolongadas, cirurgias, perda de autonomia e aumento de mortalidade em idosos.
Importância clínica da fratura de quadril
O estudo relembra que a fratura de quadril está entre as complicações ortopédicas mais sérias em adultos mais velhos:
- Costuma exigir cirurgia e internação prolongada.
- A mortalidade em 1 ano após a fratura é elevada.
- Muitos pacientes não recuperam o nível de independência que tinham antes, passando a depender de familiares, cuidadores ou instituições de longa permanência.
Ou seja, qualquer fator que aumente o risco desse tipo de fratura tem impacto direto na qualidade de vida, na dependência funcional e nos custos em saúde.
Como o estudo foi conduzido
A equipe de pesquisa buscou, em várias bases de dados científicas, estudos de coorte que:
- Acompanharam adultos ao longo dos anos;
- Classificaram os participantes em grupos conforme o padrão alimentar: onívoros (comem carne), vegetarianos e veganos;
- Registraram fraturas de quadril confirmadas por prontuário, registros hospitalares ou bases de dados de saúde.
No total, 4 grandes coortes preencheram os critérios.
Principais características combinadas:
- 529.672 adultos incluídos.
- Idade média em torno de 55 anos.
- Predomínio de mulheres (cerca de 57%).
- Tempo médio de seguimento de aproximadamente 15 anos.
- Regiões: principalmente Reino Unido, Estados Unidos e Canadá.
Com esse conjunto de dados, foram documentadas 5.949 fraturas de quadril ao longo do acompanhamento.
Desfechos negativos entre vegetarianos
Ao comparar vegetarianos com pessoas que comem carne, os autores encontraram:
- Aumento de 25% no risco de fratura de quadril em vegetarianos.
Em números absolutos, isso se traduz aproximadamente em:
- Cerca de 2 fraturas de quadril a mais para cada 1.000 vegetarianos, em comparação a 1.000 onívoros, ao longo de vários anos de seguimento.
Embora o número absoluto possa parecer pequeno, trata-se de um evento de alta gravidade, especialmente em indivíduos mais velhos.
Desfechos negativos entre veganos
O cenário foi ainda mais desfavorável para veganos:
- Aumento de aproximadamente 75% no risco de fratura de quadril em comparação a quem consome carne.
Em termos absolutos, os autores estimam:
- Cerca de 8 fraturas de quadril a mais para cada 1.000 veganos, em comparação a 1.000 onívoros, ao longo do período estudado.
Esse resultado sugere que, entre os padrões alimentares analisados, o grupo vegano foi o que apresentou pior desfecho em relação a fratura de quadril.
Possíveis mecanismos ligados a esses desfechos negativos
O artigo discute fatores que podem contribuir para esse aumento de risco, sempre com base em evidências já conhecidas na literatura:
Ingestão mais baixa de cálcio
- Vegetarianos e, principalmente, veganos tendem a consumir menos alimentos ricos em cálcio de alta biodisponibilidade, como laticínios.
- Menor ingestão de cálcio está associada à menor densidade mineral óssea e maior risco de fraturas.
- Vitamina D insuficiente
- As principais fontes alimentares de vitamina D incluem peixes gordurosos e laticínios fortificados.
- Padrões sem alimentos de origem animal costumam apresentar menor aporte dietético dessa vitamina, o que prejudica a absorção de cálcio e a saúde óssea.
- Menor massa corporal e menor massa muscular
- Muitos estudos mostram que vegetarianos e veganos têm, em média, menor peso e menor massa magra que onívoros.
- Menos massa muscular significa menor carga mecânica sobre os ossos, o que reduz o estímulo natural para manutenção da densidade óssea.
- Densidade mineral óssea mais baixa
- Reconstruindo a evidência disponível, o artigo lembra que várias pesquisas observacionais já apontaram densidade mineral óssea menor em pessoas que não consomem alimentos de origem animal, o que favorece fraturas mesmo em traumas de menor intensidade.
Esses mecanismos não são provados diretamente pela meta-análise (que é observacional), mas são consistentes com o conjunto de evidências já existente sobre saúde óssea em diferentes padrões alimentares.
Qualidade da evidência e limitações
Os autores avaliaram a qualidade da evidência usando o sistema GRADE:
- Baixa certeza para o achado em vegetarianos.
- Muito baixa certeza para o achado em veganos.
Os principais motivos para essa classificação foram:
- Uso de questionários alimentares, sujeitos a erro de lembrança e mudanças de padrão ao longo do tempo.
- Falta de reavaliação repetida da dieta em todas as coortes.
- Intervalos de confiança mais amplos em alguns subgrupos, especialmente nos veganos, que eram menos numerosos.
- Estudos concentrados em países específicos, o que dificulta extrapolar os dados para outras populações, com hábitos e contextos diferentes.
Mesmo com essas limitações, o padrão observado de pior desfecho ósseo entre vegetarianos e, sobretudo, veganos é consistente com outros dados já publicados sobre densidade óssea e fraturas.
Implicações práticas: onde estão os riscos concretos?
Do ponto de vista clínico e de saúde pública, os principais desfechos negativos apontados são:
- Maior risco de fratura de quadril em vegetarianos, com aumento relativo de 25%.
- Maior risco ainda em veganos, com aumento relativo de 75%.
- Potencial agravamento de consequências funcionais e de mortalidade, considerando o impacto já conhecido da fratura de quadril na vida de adultos mais velhos.
Os autores reforçam que dietas vegetarianas e veganas podem ser adotadas, mas exigem planejamento cuidadoso para minimizar esses riscos:
- Garantir ingestão adequada de cálcio.
- Garantir vitamina D suficiente, por exposição solar e/ou suplementação, quando necessário.
- Atenção à ingestão de proteínas e à manutenção de massa muscular.
- Estimular prática regular de treinamento resistido e exercícios que apliquem carga sobre os ossos.
O estudo, portanto, não funciona como condenação do vegetarianismo ou do veganismo, mas como um alerta objetivo: sem manejo adequado de cálcio, vitamina D, proteína e massa muscular, esses padrões alimentares se associaram a piores desfechos ósseos, medidos por fraturas de quadril, especialmente em acompanhamentos de longo prazo.
