Ajustes de Gordura na Dieta Carnívora ao Longo da Vida


A dieta carnívora, apesar de sua simplicidade, pode torna-se um pouco complexa quando observada ao longo de décadas. A resposta do corpo humano à gordura e à proteína não é estática; ela evolui com o envelhecimento, com as mudanças hormonais, com o nível de atividade física e com o histórico metabólico de cada indivíduo. Aplicar um mesmo padrão de ingestão durante anos — especialmente um padrão de alta gordura — pode funcionar brilhantemente no começo, mas gerar obstáculos silenciosos com o passar do tempo.

Três histórias se destacam por oferecer uma visão rara e extremamente rica desse processo: Owsley “The Bear” Stanley, um homem que viveu mais de 50 anos como carnívoro total; Dana, que segue há mais de 17 anos nesse estilo e precisou ajustar a dieta após mudanças corporais inesperadas; e Dra. Lisa Wiedeman, que após mais de quinze anos de carnívora estrita enfrentou alterações profundas durante a menopausa e precisou reformular completamente sua estratégia nutricional.

Ao reunir suas experiências de forma detalhada e comparativa, torna-se possível compreender a lógica metabólica por trás dos ajustes de gordura e da introdução, quando necessário, de pequenas quantidades de carboidratos. Não se trata de abandonar a filosofia carnívora, mas de reconhecer que o corpo não é uma máquina fixa — e que a flexibilidade metabólica é uma parte essencial da longevidade nutricional.


Owsley “The Bear” Stanley: A Estabilidade da Alta Gordura ao Longo de 53 Anos

A trajetória de Owsley Stanley é um dos registros mais consistentes e bem documentados dentro da carnívora de longo prazo. 

1. Conselhos sobre gordura

a) Comer gordura à vontade

Stanley enfatizava que, na carnívora, a gordura não deve ser medida de forma rígida. Seu princípio essencial era:

“Coma tanta gordura quanto desejar.”

Para ele, fome e saciedade eram os reguladores naturais e suficientes da dieta.

b) Proporção recomendada para emagrecimento e estabilidade

Bear recomendava que pessoas buscando perder gordura corporal ou estabilizar o peso utilizassem a clássica proporção:

"80% de calorias provenientes de gordura e 20% de proteína"

Essa distribuição não era apresentada como uma fórmula matemática, mas como um princípio instintivo: comer primeiro a gordura do corte e depois complementar com carne magra até perder o desejo de continuar.

c) A importância de comer “gordura suficiente”

Ele afirmava que a quantidade adequada de gordura é reconhecida no próprio ato de comer:

“A chave é comer “gordura suficiente”… algo determinado durante cada refeição.”

Ou seja, não existe número fixo: existe resposta fisiológica em tempo real.

d) Justificativas metabólicas

Bear sustentava suas orientações em três pontos fundamentais:

  • O corpo regula naturalmente a ingestão.
  • Sem carboidratos, calorias tornam-se irrelevantes.
  • Medir macros seria desnecessário e artificial.

Para ele, a gordura não era apenas energia, mas um regulador de comportamento alimentar e estabilidade emocional.

e) Exemplos numéricos fornecidos por ele

Ele apontava que, para manter uma dieta com 80% de gordura, cerca de 100 g de gordura supriam muito bem indivíduos com necessidades energéticas normais entre 1800–2500 kcal.

Isso refletia sua visão de que a gordura não precisa ser excessiva; precisa ser suficiente.

2. Como Bear ajustou suas proporções ao longo das décadas

a) A fase jovem e adulta: 80% gordura / 20% proteína por décadas

Owsley afirmava:

“Minha dieta costuma ser 60% de gordura e 40% de proteína em termos de calorias. Eu costumava comer 80/20 quando era mais jovem e também cerca do dobro de carne, mas isso parece energia demais para a minha idade.”

Isso revela:

  • Na juventude, a proporção era 80/20.
  • Ele comia muito mais volume de carne do que na velhice.
  • Seu metabolismo era amplamente responsivo à gordura alta.

b) Na velhice, reduziu para 60% gordura / 40% proteína

A partir dos 70 anos, Stanley passou a perceber que:

  • seu corpo estava mais eficiente,
  • seu gasto energético era menor,
  • 80% de gordura tornou-se “energia demais”.

“60% gordura e 40% proteína... 80/20 quando mais jovem... energia demais na minha idade.”

Esse ajuste não refletia um problema metabólico, mas uma adaptação à menor demanda calórica, comum no envelhecimento masculino.

c) A lógica metabólica da redução

Bear acreditava que:

“O corpo realmente se torna mais eficiente no uso de energia com o avançar da idade.”

Seu ajuste é um exemplo claro de homeostase: com o declínio natural do gasto energético, o corpo necessita de menos gordura como combustível.

d) O princípio que permanece constante

Mesmo reduzindo gordura, ele manteve seus pilares:

  • priorizar carne bem marmorizada,
  • comer gordura até perder o desejo,
  • complementar com carne magra,
  • nunca medir, pesar ou contar macros.

Síntese da trajetória de Bear

  • Viveu décadas com 80% de gordura, com excelente resposta fisiológica.
  • Ajustou para 60% apenas após os 70 anos.
  • Nunca recomendou obsessão por números.
  • Enfatizava a gordura como regulador natural de saciedade.
  • Acreditava na adaptação do corpo com o envelhecimento.

Este é o modelo clássico de um metabolismo masculino que envelhece com estabilidade e moderada redução de necessidades energéticas.

Sua história mostra que homens com bom nível de atividade e boa massa muscular tendem a tolerar gordura alta por muitos anos, e ajustes são motivados muito mais por demanda energética do que por necessidade clínica.


Dana Spencer: Uma Década de Sucesso com Alta Gordura, Até Que o Corpo Pediu Mudança

Dana segue a dieta carnívora por mais de 17 anos, sendo dez deles consumindo aproximadamente 80% de gordura, grande parte proveniente de ribeyes extremamente marmorizados. Nos primeiros anos, a dieta funcionou com perfeição: energia estável, humor equilibrado e peso adequado.

A mudança começou de forma gradual após cerca de seis anos. Ela notou ganho de peso sem terem ocorrido alterações alimentares. Essa discrepância — comer da mesma forma, mas ganhar peso — revelou uma mudança interna: o metabolismo já não tolerava a mesma quantidade de gordura.

Ela atribuiu essa nova realidade a fatores como:

  • oscilações hormonais;
  • idade;
  • estresse acumulado;
  • aumento natural da sensibilidade ao ganho de gordura.

Sua solução foi bastante direta: reduzir a densidade gordurosa dos cortes. Ao substituir carnes extremamente gordas por cortes moderados, sua ingestão caiu naturalmente para 60–70% de gordura, e o peso voltou a se estabilizar. A mudança simples — mas precisa — foi suficiente para corrigir o desequilíbrio.

A história de Dana é representativa de muitas mulheres: alta gordura funciona muito bem, até que não funciona mais, especialmente quando ocorrem alterações hormonais.


Dra. Lisa Wiedeman: Menopausa, Resistência Metabólica e a Introdução Estratégica de Carboidratos

A experiência de Lisa é a mais detalhada e a que mais esclarece como a dieta carnívora pode precisar de ajustes profundos após a menopausa. Após dez anos prosperando com uma carnívora rica em gordura, ela passou a apresentar:

  • ganho de gordura abdominal;
  • glicemia de jejum entre 105–120 mg/dL;
  • A1c subindo para faixa pré-diabética;
  • estagnação completa de peso;
  • ineficiência metabólica mesmo com jejuns prolongados.

Nada do que funcionava no passado — jejum de sardinhas, jejum seco total ou reduções calóricas — surtia efeito. Para Lisa, a explicação estava no corpo feminino pós-menopausa: queda do estrogênio, redução da sensibilidade à insulina e maior tendência a acumular gordura visceral.

A mudança necessária: reduzir drasticamente a gordura

Lisa retirou:

  • ribeyes muito gordos,
  • manteiga,
  • creme de leite,
  • queijos gordurosos,
  • receitas altamente calóricas,
  • sobremesas carnívoras.

Seu novo padrão tornou-se low-fat + moderate protein.

A inclusão estratégica de carboidratos

Quando reduziu gordura, Lisa enfrentou outro problema: fome extrema. O formato "pouca gordura + proteína moderada + zero carboidratos" não era sustentável. Com isso, introduziu pequenas quantidades de carboidratos naturais:

  • salsa,
  • pepino,
  • chucrute.

Esses alimentos:

  • não geravam compulsão;
  • forneciam energia mínima para treinos;
  • permitiam reduzir gordura dietética sem sofrimento;
  • estabilizavam glicemia e saciedade;
  • preveniam recaídas alimentares.

Depois do ajuste, sua glicemia matinal caiu para 95 mg/dL, a gordura visceral reduziu e sua energia aumentou significativamente.

A experiência da Dra. Wiedeman mostra que, em mulheres pós-menopausa, a gordura alta pode se tornar metabolicamente ineficiente, e pequenas quantidades de carboidratos podem atuar como ferramenta de adaptação — sem descaracterizar a base carnívora.

Comparação entre os três cenários

Pontos em comum

  • Os três prosperaram por longos períodos com alta gordura.
  • Os três precisaram ajustar conforme envelheceram.
  • Todos encontraram nova estabilidade após mudar a proporção de macronutrientes.
  • A base animal se manteve em todos os casos.

Diferenças profundas

  • Motivação do ajuste:

    • Bear reduziu gordura por excesso energético.
    • Dana reduziu devido a alterações hormonais femininas e idade.
    • Lisa reduziu porque alta gordura se tornou metabolicamente prejudicial.
  • Papel dos carboidratos:
    • Bear nunca precisou adicionar.
    • Dana não necessitou adicionar carboidratos.
    • Lisa adicionou para sustentar low-fat após menopausa.
  • Respostas metabólicas ao envelhecimento:
    • Homens tendem a manter melhor a tolerância à gordura.
    • Mulheres passam por forte mudança hormonal, especialmente na menopausa.
  • Densidade calórica e saciedade:
    • Em homens, alta gordura mantém estabilidade.
    • Em mulheres, especialmente pós-menopausa, alta gordura frequentemente eleva peso e glicemia.

Conclusão: O Papel da Gordura e dos Carboidratos na Carnívora de Longo Prazo

As três trajetórias analisadas revelam um princípio fundamental, raramente discutido com profundidade:

A dieta carnívora não é apenas uma lista de alimentos; é um sistema metabólico adaptativo.

A resposta do corpo à gordura não é fixa. Ela muda com:

  • idade,
  • sexo,
  • nível de atividade física,
  • histórico metabólico,
  • estado hormonal,
  • composição corporal,
  • fase da vida (pré-menopausa, menopausa, pós-menopausa).

Sobre a gordura

  • Alta gordura funciona excepcionalmente para iniciantes e para muitos homens por décadas.
  • Nas mulheres, tende a funcionar bem até a chegada de mudanças hormonais.
  • Após a menopausa, a combinação de alta gordura + glicemia elevada é algo para ser avaliado com cautela.
  • Reduzir a gordura não significa abandonar a carnívora — significa adaptar o combustível ao corpo atual.

Sobre os carboidratos

  • Podem fazer sentido para alguns.
  • Bear viveu sem eles por mais de 50 anos.
  • Dana não precisou usá-los para corrigir sua trajetória.
  • Lisa precisou introduzir pequenas quantidades para possibilitar um padrão low-fat sem fome extrema.
  • Esses carboidratos não foram usados como indulgência, mas como ferramenta metabólica.

O ponto-chave

A variabilidade individual dita o ajuste ideal. O que funciona por 10 anos pode não funcionar por 20. E o que sustenta saúde em um homem de 70 anos pode ser completamente ineficiente para uma mulher de 55 em menopausa.

A carnívora é sustentável em longo prazo quando se reconhece que proporções de gordura e proteína não são uma regra imutável, mas pontos de partida. A verdadeira sustentabilidade surge quando cada indivíduo ajusta sua dieta à sua fase fisiológica, entendendo que flexibilidade não significa fragilidade — significa maturidade metabólica.

A gordura é um combustível potente, usada na medida em que o corpo tolera. Carboidratos, quando fazem sentido, não quebram a filosofia, apenas completam a equação metabólica. No fim das contas, as decisões e estratégias de cada pessoa devem se basear em otimizar a saúde, não em dogmas ou denominações. O foco sempre deve ser alcançar a melhor saúde possível de forma natural, sustentável e prazerosa.

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