Perfis de biomarcadores sanguíneos e longevidade excepcional: comparação entre centenários e não centenários em 35 anos de acompanhamento da coorte sueca AMORIS


O estudo Blood biomarker profiles and exceptional longevity: comparison of centenarians and non-centenarians in a 35-year follow-up of the Swedish AMORIS cohort foi conduzido por pesquisadores do Instituto Karolinska, na Suécia, e publicado em 2024 na revista GeroScience. O objetivo foi compreender como diferentes marcadores sanguíneos — especialmente o colesterol — se associam à probabilidade de atingir 100 anos de idade.

O trabalho analisou 44.636 suecos, com idades entre 64 e 99 anos, acompanhados por até 35 anos. Dentre eles, 1.224 pessoas (2,7%) alcançaram um século de vida. As medições laboratoriais foram realizadas entre 1985 e 1996, antes, portanto, de muitos avanços recentes em terapias e mudanças de estilo de vida.

Colesterol mais alto, vida mais longa

Um dos achados mais marcantes foi que níveis mais altos de colesterol total estavam associados a uma maior probabilidade de chegar aos 100 anos. Isso contraria as diretrizes clínicas atuais que recomendam manter o colesterol total baixo, mas está em linha com outros estudos que mostraram que o colesterol elevado tende a ser um indicador de melhor sobrevida em idades avançadas.

Segundo os autores, pessoas com colesterol mais alto — dentro dos limites observados no estudo — apresentavam menor mortalidade, especialmente quando comparadas a indivíduos com níveis muito baixos. Essa associação positiva permaneceu mesmo após o ajuste por idade, sexo e presença de comorbidades.

Interpretação dos resultados

O colesterol é uma molécula essencial para diversas funções biológicas. Ele participa da formação das membranas celulares, da produção de hormônios esteroides e da síntese de vitamina D. Com o envelhecimento, o colesterol também atua como reserva energética e componente estrutural de tecidos reparadores. Por isso, uma redução excessiva pode indicar fragilidade metabólica ou subnutrição, condições associadas a piores desfechos em idosos.

Os pesquisadores destacam que, entre os centenários, níveis mais altos de colesterol e ferro, juntamente com níveis mais baixos de glicose, creatinina, ácido úrico e enzimas hepáticas (ASAT, GGT, ALP, LD), compuseram um perfil metabólico favorável à longevidade. Essa combinação sugere um equilíbrio entre nutrição adequada, boa função hepática e baixo estado inflamatório.

O paradoxo do colesterol em idosos

Enquanto em adultos de meia-idade o colesterol alto pode estar relacionado a risco cardiovascular aumentado, em idosos e centenários o cenário parece se inverter. Estudos prévios, inclusive de coortes japonesas e dinamarquesas, apontaram o mesmo fenômeno: o colesterol mais elevado está correlacionado a melhor sobrevivência em idades extremas.

O trabalho sueco sugere que, no envelhecimento avançado, níveis mais altos de colesterol podem refletir um estado nutricional preservado e uma menor resposta inflamatória, ambos fatores protetores. Assim, o colesterol deixa de ser apenas um marcador de risco cardiovascular e passa a representar um indicador de reserva fisiológica e robustez biológica.

Heterogeneidade entre centenários

Mesmo dentro do grupo dos centenários, os autores identificaram dois subgrupos principais: um com colesterol e albumina mais altos, indicando maior aporte nutricional, e outro com valores menores, porém ainda adequados, representando uma forma de “nutrição suficiente, mas mais contida”. Ambos apresentaram bom estado metabólico, o que reforça a ideia de que o equilíbrio — e não a restrição — é determinante para a longevidade.

Contexto e implicações clínicas

Os autores ressaltam que os valores considerados “normais” nas diretrizes médicas atuais foram definidos com base em populações mais jovens, e podem não refletir o ideal para pessoas idosas. Assim, tentar reduzir o colesterol de forma agressiva em indivíduos muito idosos pode ser contraproducente, já que o colesterol desempenha papel importante na manutenção da integridade celular e na resposta imunológica.

Além disso, a associação entre colesterol elevado e longevidade pode estar relacionada a menor inflamação crônica, menor degradação hepática e melhor absorção de nutrientes lipossolúveis. Essa hipótese é reforçada pelo achado de que os centenários apresentaram níveis mais baixos de ácido úrico e enzimas hepáticas, marcadores clássicos de inflamação e dano celular.

Conclusão

O estudo AMORIS traz evidências sólidas de que níveis mais altos de colesterol total estão associados à longevidade excepcional. Em conjunto com outros marcadores favoráveis — como baixa glicose e creatinina —, o colesterol parece atuar como indicador de vitalidade metabólica em vez de fator de risco em idades avançadas.

Os resultados reforçam a necessidade de reavaliar as metas de colesterol em idosos, especialmente acima dos 75 anos, considerando o contexto fisiológico e não apenas diretrizes baseadas em adultos de meia-idade. Em última análise, o colesterol elevado pode representar um marcador de boa saúde, nutrição adequada e menor inflamação crônica, fatores que favorecem não apenas viver mais, mas envelhecer com qualidade.

Fonte: https://doi.org/10.1007/s11357-023-00936-w

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