O artigo de Warinner e colaboradores mostra como a compreensão sobre o microbioma humano — o conjunto de microrganismos que habitam o corpo — vem transformando a medicina e a antropologia. Essas comunidades microbianas influenciam a digestão, o metabolismo, o sistema imunológico e até o comportamento. Entender sua origem e evolução é fundamental para compreender as doenças crônicas modernas e os efeitos das dietas atuais sobre o corpo humano.
A transição alimentar: do natural ao processado
Durante a maior parte da história humana, a alimentação foi composta principalmente de alimentos de origem animal, gorduras naturais e fibras não refinadas. A Revolução Agrícola introduziu grãos e leguminosas como base alimentar, e a Revolução Industrial trouxe algo novo: carboidratos refinados, óleos vegetais extraídos e açúcares adicionados. Essa transição alterou profundamente a ecologia microbiana humana.
Os microrganismos que prosperavam em um ambiente rico em proteínas, gorduras e fibras naturais foram substituídos por espécies adaptadas ao consumo constante de amidos e açúcares simples. Essa mudança afetou não apenas o intestino, mas também a boca e o metabolismo como um todo.
O papel dos carboidratos na disbiose moderna
O artigo destaca o impacto dos carboidratos fermentáveis — especialmente os açúcares refinados — na evolução das doenças bucais. Quando o consumo de açúcares aumentou, especialmente após o século XIX, houve um desequilíbrio entre bactérias benéficas e patogênicas, favorecendo o desenvolvimento de cáries, gengivites e doenças periodontais.
Essa hipótese, conhecida como “placa ecológica”, propõe que a doença oral surge como consequência da mudança ecológica causada pelo tipo de alimento ingerido, não apenas pela presença de um patógeno específico.
Além da boca, os carboidratos simples e os ultraprocessados também afetam o intestino. A queda na diversidade microbiana e o predomínio de espécies inflamatórias estão associados a síndromes metabólicas, obesidade, diabetes tipo 2 e doenças autoimunes — condições raramente observadas em populações pré-industriais.
Proteínas e gorduras: estabilidade e modulação microbiana
Populações tradicionais, cuja dieta ainda é rica em proteínas e gorduras animais, apresentam microbiomas mais estáveis e resistentes à inflamação. O consumo regular de carnes, peixes e gorduras naturais estimula o crescimento de bactérias produtoras de ácidos graxos de cadeia curta (como butirato), essenciais para a saúde intestinal.
O artigo não defende um modelo alimentar específico, mas aponta que os microbiomas antigos refletem uma adaptação a dietas com menos carboidratos processados e maior densidade nutricional. Isso sugere que a forma como os macronutrientes são combinados — e não apenas suas quantidades — influencia diretamente a ecologia microbiana e, portanto, a saúde humana.
Gorduras vegetais industriais e o desequilíbrio moderno
Com a industrialização, a introdução de óleos vegetais refinados e margarinas alterou a proporção natural de ácidos graxos ômega-6 e ômega-3. Esse desequilíbrio, associado ao alto consumo de açúcar, contribuiu para inflamação crônica e modificações negativas no microbioma intestinal.
Enquanto os povos antigos consumiam gorduras predominantemente saturadas e monoinsaturadas de origem animal, as dietas modernas passaram a concentrar gorduras poli-insaturadas instáveis, que oxidam facilmente e influenciam negativamente as bactérias intestinais.
Evidências em vestígios antigos
Os coprólitos (fezes fossilizadas) e o cálculo dental revelam vestígios diretos dessas transições alimentares. As amostras de períodos pré-agrícolas mostram microbiomas ricos em diversidade e equilíbrio funcional, enquanto as de períodos pós-industriais indicam perda de diversidade e aumento de microrganismos associados a inflamação e resistência a antibióticos.
Essas descobertas mostram que a qualidade dos macronutrientes — e não apenas sua quantidade — molda o equilíbrio microbiano.
O impacto ecológico dos macronutrientes
- Carboidratos simples: alimentam bactérias acidogênicas, reduzem o pH oral e intestinal e favorecem espécies patogênicas.
- Proteínas de alta qualidade: aumentam a produção de compostos antimicrobianos e reforçam a barreira intestinal.
- Gorduras naturais: estabilizam a mucosa e servem de fonte energética para microrganismos benéficos.
- Óleos vegetais e ultraprocessados: desorganizam o metabolismo lipídico microbiano e reduzem a diversidade de espécies.
Esses fatores combinados explicam por que o microbioma moderno se tornou mais vulnerável, contribuindo para doenças inflamatórias e metabólicas.
Reconstruindo o equilíbrio
Com base nos dados de microbiomas antigos, o artigo defende que compreender como diferentes macronutrientes moldaram nossa microbiota ao longo da evolução pode ajudar a redirecionar práticas alimentares modernas. A volta a uma alimentação com menos açúcares adicionados, menos produtos ultraprocessados e maior presença de alimentos integrais e naturais — especialmente de origem animal — pode restaurar parte da estabilidade ecológica perdida.
Em última análise, a saúde humana é inseparável da saúde do microbioma, e o microbioma é reflexo direto da qualidade dos macronutrientes que o alimentam.
Fonte: https://doi.org/10.1016/j.jhevol.2014.10.016
