Evitar ultraprocessados é impossível? A ciência e a experiência mostram o contrário


A jornalista Olga Khazan, em artigo publicado na revista The Atlantic, intitulado “Avoiding Ultra-Processed Foods Is Completely Unrealistic”, argumenta que evitar alimentos ultraprocessados seria uma meta praticamente inalcançável, especialmente para pais com filhos pequenos. Ela descreve situações cotidianas — longos trajetos de carro, compromissos médicos, dias de cansaço — em que recorre a produtos como sanduíches prontos, salgadinhos e biscoitos industrializados. Segundo a autora, o esforço exigido para manter uma alimentação 100% natural seria incompatível com a rotina moderna e com os custos de tempo e dinheiro da maioria das famílias.

Khazan ainda cita especialistas que consideram o termo “ultraprocessado” amplo demais, pois incluiria produtos como tofu, iogurte industrializado ou cereais fortificados, que poderiam oferecer algum valor nutricional. Diante disso, o texto conclui que abandonar completamente os ultraprocessados seria “frustrante e irrealista”.

Mas será mesmo impossível? As melhores evidências científicas — e inúmeros exemplos de vida real — mostram exatamente o contrário: reduzir drasticamente o consumo de ultraprocessados é totalmente possível, sustentável e traz benefícios claros à saúde física e mental.

O que a ciência realmente mostra

Estudos do National Institutes of Health (NIH), conduzidos por Kevin Hall e publicados em Cell Metabolism (2019), demonstraram que pessoas alimentadas com ultraprocessados consomem, em média, 500 calorias a mais por dia do que aquelas que recebem refeições com alimentos naturais — mesmo com os mesmos macronutrientes. Isso ocorre porque os produtos industrializados são formulados para serem hiperpalatáveis, estimulando o apetite e interferindo nos mecanismos de saciedade.

Além disso, revisões sistemáticas recentes apontam que dietas ricas em ultraprocessados aumentam o risco de obesidade, depressão, diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares. Esses efeitos decorrem não apenas do excesso de açúcar ou gordura, mas também da combinação de aditivos, emulsificantes e óleos refinados que prejudicam o metabolismo e alteram a microbiota intestinal.

Essas evidências reforçam a tese de Carlos Monteiro, da Universidade de São Paulo, criador da classificação NOVA, que mostrou que o grau de processamento de um alimento é determinante para sua qualidade nutricional. Desde então, o Guia Alimentar para a População Brasileira (Ministério da Saúde, 2014) recomenda priorizar alimentos de verdade — carnes, ovos, frutas, legumes e preparações caseiras — e evitar produtos ultraprocessados.

Dificuldade não é impossibilidade

Dizer que é impossível alimentar uma família de forma natural é confundir dificuldade com inviabilidade. Cozinhar exige algum planejamento, mas não está fora do alcance de famílias comuns. Pesquisas da Johns Hopkins University (Wolfson et al., 2024) mostram que pessoas que cozinham ao menos uma vez por dia têm dietas significativamente mais saudáveis e menor consumo de ultraprocessados.

O segredo está na organização e no hábito: preparar carnes e ovos em maior quantidade, manter frutas e queijos disponíveis e usar técnicas simples de conservação. Esses alimentos exigem pouco tempo e quase nenhum processamento.

Além disso, é essencial reconhecer um ponto que a maioria dos debates ignora: as crianças aprendem pelo exemplo dos pais. Se dentro de casa os adultos consomem comida de verdade, sem exageros, com prazer e naturalidade, esse comportamento se torna o modelo normal para a criança. Ela entende que alimentação saudável não é uma imposição, mas uma rotina familiar. Por outro lado, se os pais recorrem frequentemente a biscoitos, refrigerantes e fast food, é esse o padrão que será internalizado.

Estudos em psicologia alimentar infantil (Birch & Fisher, Annual Review of Nutrition, 1998; Ventura & Mennella, Appetite, 2011) demonstram que a exposição e o exemplo são os principais determinantes do gosto e da aceitação alimentar. Em outras palavras, o que os pais comem molda o paladar e as escolhas dos filhos.

Exemplo pessoal: quando o possível se torna real

Eu, vivo esse processo na prática. Tenho uma filha de quatro anos que demonstra todos os benefícios de uma alimentação baseada em alimentos naturais.

A introdução alimentar dela foi totalmente feita com alimentos de origem animal — carnes, ovos, vísceras e caldos. Os carboidratos só foram introduzidos após o primeiro ano de vida. Atualmente, suas principais refeições contêm cerca de 80% de alimentos animais, e as frutas entram como sobremesa ou lanche.

Ela não consome açúcar nem glúten, e com essa idade já entende os três macronutrientes — proteínas, gorduras e carboidratos — e faz suas próprias escolhas conscientes. Quando tem contato com alimentos ultraprocessados, ela mesma opta por não comê-los e raramente pede para experimentar por curiosidade. O paladar está limpo, livre da dependência de sabores artificiais e da associação emocional com “comidas de conforto”.

O resultado é claro: cresce com energia, vitalidade e saúde plena, sem deficiências, sem compulsões e com uma relação tranquila com a comida. Essa experiência familiar mostra que o que muitos chamam de “impossível” é, na verdade, uma questão de coerência e exemplo.

Quando os pais vivem de acordo com os valores que ensinam — comendo de forma simples e nutritiva — os filhos naturalmente seguem o mesmo caminho.

Conclusão

Evitar ultraprocessados pode ser desafiador, mas está longe de ser impossível. A ciência confirma que quanto mais natural a alimentação, menor o risco de doenças e melhor o desenvolvimento infantil. A experiência cotidiana confirma que crianças criadas com exemplos consistentes aprendem a gostar da comida de verdade e a rejeitar o artificial sem esforço.

Famílias que priorizam carnes, ovos, frutas e vegetais — e que fazem das refeições um momento de convivência e aprendizado — descobrem que o prazer de comer bem nasce do exemplo, não da restrição. E, como mostra a trajetória da minha filha, crescer saudável sem ultraprocessados não é utopia: é prática, é possível e vale muito a pena.

Referências

  1. Hall, K. D., Ayuketah, A., Brychta, R., et al. (2019). Ultra-Processed Diets Cause Excess Calorie Intake and Weight Gain: An Inpatient Randomized Controlled Trial of Ad Libitum Food Intake. Cell Metabolism, 30(1), 67–77.e3. https://doi.org/10.1016/j.cmet.2019.05.008
  2. Monteiro, C. A., Cannon, G., Levy, R. B., Moubarac, J.-C., Louzada, M. L. C., et al. (2019). Ultra-processed foods: what they are and how to identify them. Public Health Nutrition, 22(5), 936–941. https://doi.org/10.1017/S1368980018003762
  3. Monteiro, C. A., Cannon, G., Moubarac, J.-C., Levy, R. B., Louzada, M. L. C., & Jaime, P. C. (2018). The UN Decade of Nutrition, the NOVA food classification and the trouble with ultra-processing. Public Health Nutrition, 21(1), 5–17. https://doi.org/10.1017/S1368980017000234
  4. Rao, M., Afshin, A., Singh, G., & Mozaffarian, D. (2013). Do healthier foods and diet patterns cost more than less healthy options? A systematic review and meta-analysis. BMJ Open, 3(12), e004277. https://bmjopen.bmj.com/content/3/12/e004277
  5. Wolfson, J. A., & Leung, C. W. (2020). More frequent cooking at home is associated with higher Healthy Eating Index-2015 score. Public Health Nutrition, 23(13), 2384–2394. DOI: https://doi.org/10.1017/s1368980019003549
  6. Birch, L. L., & Fisher, J. O. (1998). Development of eating behaviors among children and adolescents. Annual Review of Nutrition, 18(1), 41–62. https://doi.org/10.1542/peds.101.S2.539
  7. Ventura, A. K., & Mennella, J. A. (2011). Innate and learned preferences for sweet taste during childhood. Appetite, 57(3), 791–795. https://doi.org/10.1097/MCO.0b013e328346df65
  8. Ministério da Saúde (Brasil). (2014). Guia Alimentar para a População Brasileira. 2ª edição. Brasília: Ministério da Saúde. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf
  9. Harvard T.H. Chan School of Public Health. (2023). Healthy Eating Plate & Pyramid. https://www.hsph.harvard.edu/nutritionsource/healthy-eating-plate/


Fonte: https://www.theatlantic.com/family/2025/10/ultraprocessed-foods-parenting-children-diet/684436/

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