Um grupo de pesquisadores reuniu e analisou estudos clínicos para responder a uma pergunta prática: quando adultos seguem uma dieta cetogênica (DC), isso prejudica a massa muscular, a força ou o desempenho aeróbico? A investigação também quis saber se a DC altera a maneira como o músculo usa combustível durante o exercício. O trabalho seguiu um protocolo registrado (PROSPERO: CRD42024516932) e pesquisou quatro bases (Embase, PubMed, Cochrane Library e Web of Science) até 19 de julho de 2025, incluindo apenas estudos com grupo de comparação. No total, 33 estudos foram elegíveis.
Como a análise foi conduzida
Foram considerados desfechos em três eixos: (1) massa muscular (e medidas relacionadas como massa livre de gordura, MLG/FFM), (2) potência/força (por exemplo, salto com contramovimento, agachamento, supino, preensão manual) e (3) capacidade aeróbica e resistência (VO₂máx, tempo até a exaustão em esteira, razão de trocas respiratórias—RER, oxidação de gordura e percepção subjetiva de esforço). A análise usou modelos de efeitos aleatórios quando apropriado, avaliou risco de viés (RoB 2 e ROBINS-I) e graduou a qualidade da evidência pelo GRADE.
Principais resultados
1) Massa muscular e composição corporal
- Massa muscular: não houve diferença significativa entre DC e dietas controle (diferença média ponderada, DMP: 0,06; IC95%: −1,97 a 2,09; p=0,95; I²=0%).
- Massa livre de gordura (MLG/FFM): houve redução estatisticamente significativa com DC (DMP: −0,48; IC95%: −0,73 a −0,23; p<0,001; I²=9%). Essa queda não se manteve em subgrupos de atletas, estudos não randomizados ou com duração <3 meses.
- Gordura corporal: a DC reduziu a massa de gordura em relação ao controle (DMP: −1,31; IC95%: −2,06 a −0,57; p<0,001; heterogeneidade moderada, I²=58%). O efeito permaneceu em ECRs e em populações não atletas.
2) Potência e força
- Salto com contramovimento (CMJ): sem diferença (DMP padronizada: −0,06; IC95%: −0,49 a 0,38; p=0,80; I²=0%).
- Agachamento: sem diferença (SMD: −0,19; IC95%: −0,53 a 0,15; p=0,27; I²=0%).
- Supino: sem diferença (SMD: −0,15; IC95%: −0,49 a 0,18; p=0,37; I²=0%).
3) Capacidade aeróbica, metabolismo e resistência
- VO₂máx absoluto e relativo ao peso: sem diferenças (VO₂máx: DMP: −0,02; IC95%: −0,19 a 0,16; p=0,85; VO₂máx relativo: DMP: −0,02; IC95%: −1,37 a 1,33; p=0,98; ambos com I²=0%).
- RER: redução com DC (DMP: −0,07; IC95%: −0,11 a −0,03; p<0,001; I²=73%), sugerindo maior uso de gordura como substrato.
- Oxidação de gordura: aumento com DC (DMP: 0,13; IC95%: 0,08 a 0,17; p<0,001).
- Tempo até a exaustão em esteira: sem diferença (SMD: −0,12; IC95%: −0,58 a 0,35; p=0,62; I²=0%).
- Percepção subjetiva de esforço (RPE): sem diferença (DMP: −0,04; IC95%: −0,82 a 0,73; p=0,92; I²=74%).
O que esses achados significam
O conjunto de evidências indica que, entre adultos, seguir uma dieta cetogênica não diminui a massa muscular nem a força, enquanto reduz gordura corporal e modifica o metabolismo muscular em direção a maior oxidação de gordura durante o exercício (RER menor). Em termos de desempenho cardiorrespiratório e resistência testada em protocolos padronizados, não foram observadas melhorias ou prejuízos relevantes (VO₂máx, tempo até exaustão e esforço percebido mantiveram-se semelhantes às dietas controle).
Pontos de atenção metodológicos
A qualidade dos estudos variou de moderada a muito baixa no GRADE, com limitações de cegamento, sigilo de alocação e resultados incompletos em alguns ensaios. Nem todos os estudos confirmaram cetose por medidas bioquímicas; como parte das comparações incluía “low-carb” sem comprovação de cetose, isso pode introduzir viés de classificação. Além disso, vários desfechos tiveram amostras pequenas e heterogeneidade entre protocolos (p.ex., RER e RPE). Ainda assim, as análises de sensibilidade mostraram estabilidade das conclusões gerais.
Implicações práticas (a partir dos dados)
- Para adultos que adotam DC por manejo de peso, os dados sugerem redução consistente de gordura, sem perdas de força e sem queda de massa muscular medida diretamente (embora a MLG tenha diminuído modestamente em média). Isso reforça que mudanças favoráveis na composição corporal podem ocorrer sem piora do desempenho de força.
- Metabolicamente, a maior dependência de gordura como combustível aparece durante testes de exercício (menor RER e maior oxidação de gordura), sem alteração da capacidade cardiorrespiratória máxima nos períodos avaliados (4–12 semanas, com alguns estudos mais longos para composição corporal).
- Em esportes de resistência e tarefas dependentes de glicogênio, os resultados agrupados não mostram vantagem nem desvantagem claras da DC nos desfechos testados; a utilidade pode depender do contexto, da duração de adaptação e do desenho do treinamento, aspectos que exigem ECRs multicêntricos e de maior duração.
Limitações e lacunas para pesquisas futuras
Os autores destacam a necessidade de ensaios randomizados maiores, multicêntricos, com confirmação objetiva de cetose, padronização de instrumentos de medida (p.ex., métodos de composição corporal) e acompanhamento suficiente para avaliar desfechos funcionais e de performance a longo prazo. A distinção entre massa muscular e MLG também merece protocolos mais granulares, já que a MLG inclui água e outros tecidos, podendo subestimar a preservação de músculo em alguns contextos.
Conclusão
Segundo esta revisão sistemática e meta-análise de 33 estudos, a dieta cetogênica em adultos não reduz massa muscular nem força, diminui a gordura corporal e aumenta a oxidação de gorduras durante o exercício, sem alterar VO₂máx, resistência em esteira ou esforço percebido. As conclusões são coerentes, porém limitadas pela qualidade e heterogeneidade dos estudos; por isso, os autores defendem ensaios melhor desenhados para consolidar o efeito da DC sobre parâmetros musculares e de desempenho.
