Em 1941, o médico Julius Bauer publicou um estudo pioneiro que questionava a explicação tradicional da obesidade baseada apenas em calorias ingeridas e gastas. Para ele, reduzir a obesidade a um simples “desequilíbrio energético” era uma forma limitada de compreender uma condição complexa que envolve o funcionamento integral do corpo humano.
A crítica à teoria das calorias
Na época, prevalecia a ideia de que engordar era apenas resultado de comer mais do que se gasta. Bauer demonstrou que o corpo possui mecanismos naturais de autorregulação — fome, saciedade, metabolismo e até o desejo de se mover — que mantêm o peso estável. Se a maioria das pessoas não engorda mesmo com variações na dieta e na atividade física, isso indica que o corpo não é uma máquina simples de entrada e saída de energia, mas um sistema adaptável.
Ele argumentava que a obesidade persistente só ocorre quando esses mecanismos de regulação falham, e que o corpo de pessoas com tendência à obesidade se comporta de maneira diferente — armazenando gordura com mais facilidade e liberando-a com mais dificuldade. Assim, o ganho de peso não seria apenas resultado de comer demais, mas também consequência de alterações biológicas internas.
O papel da biologia na obesidade
Bauer introduziu o conceito de lipofilia, ou “afinidade pela gordura”. Ele observou que algumas partes do corpo acumulam mais gordura do que outras e que isso pode variar entre pessoas. Essa tendência local — determinada por fatores hereditários, hormonais e nervosos — explicaria por que a gordura se distribui de formas diferentes entre homens e mulheres, ou mesmo entre pessoas com o mesmo peso.
Ele também mostrou que a gordura corporal não é um depósito inerte, mas um tecido ativo, com metabolismo próprio e capaz de influenciar o funcionamento do organismo. Em pessoas obesas, o tecido adiposo tende a reter mais água e sal (hidrofilia), contribuindo para o aumento de peso e inchaço.
Fatores hormonais e nervosos
Bauer observou que alterações hormonais podem modificar o padrão de acúmulo de gordura. Por exemplo, a falta de hormônios masculinos pode favorecer um tipo de distribuição mais típica das mulheres, com maior acúmulo na região abdominal e quadril. Ele também descreveu casos em que lesões cerebrais (especialmente no hipotálamo) provocavam obesidade, indicando que o sistema nervoso participa do controle da lipofilia — ou seja, da tendência do corpo a armazenar gordura.
Essas observações foram revolucionárias porque mostraram que a obesidade podia ser causada por distúrbios endócrinos ou neurológicos, e não apenas por hábitos alimentares.
O fator hereditário
Outro ponto central do estudo foi o reconhecimento do componente genético. Bauer mostrou que a maioria dos pacientes obesos tinha familiares com o mesmo problema. Mesmo quando o ambiente e os hábitos eram semelhantes, apenas alguns membros da família desenvolviam obesidade — o que reforçava o papel da herança genética.
Ele chegou a descrever casos de “macrosomia adiposa congênita”, em que bebês já nasciam com excesso de gordura sem causa aparente. Experimentos em animais também demonstraram que a obesidade podia ser herdada.
Bauer concluiu que o “gene da obesidade” não afetava apenas a quantidade de gordura acumulada, mas também os sistemas hormonais e nervosos que controlam o metabolismo.
A relação com outras doenças
O estudo também mostrou que a obesidade frequentemente aparece junto de outras condições hereditárias ou metabólicas, como diabetes, hipertensão e cálculos biliares. Bauer considerava essas associações sinais de uma constituição biológica alterada, um “estado degenerativo” em que vários sistemas do corpo funcionam fora do equilíbrio.
O tratamento segundo Bauer
Apesar de reconhecer a influência da herança genética, Bauer acreditava que a obesidade podia ser controlada. O tratamento principal deveria ser dietético, com foco na qualidade dos alimentos.
Ele recomendava:
- Reduzir carboidratos e gorduras, que são mais facilmente armazenados como gordura corporal.
- Manter ingestão adequada de proteínas, pois elas estimulam o metabolismo e protegem os órgãos.
- Limitar o consumo de sal e líquidos, para evitar retenção de água.
- Aumentar a atividade física, respeitando as condições cardíacas do paciente.
Em alguns casos, Bauer indicava o uso de hormônio tireoidiano para acelerar o metabolismo e diuréticos para reduzir o acúmulo de líquidos. Também ressaltava a importância de períodos de pausa no tratamento, seguidos de retomada, para evitar a estagnação da perda de peso.
Mais de 80 anos depois, muitos dos princípios descritos por Bauer continuam válidos: a obesidade não pode ser explicada apenas por “falta de força de vontade”, mas envolve interações complexas entre genética, hormônios, cérebro e metabolismo.
Sua visão antecipou o que hoje a ciência confirma: o corpo humano é um sistema regulado por múltiplos fatores, e a obesidade deve ser tratada como uma condição biológica e metabólica, não apenas comportamental.
