No final do século XIX, o médico inglês Isaac Burney Yeo publicou o livro Food in Health and Disease — um dos primeiros manuais a explicar como os alimentos influenciam diretamente a saúde e a recuperação das pessoas. Numa época em que quase nada se sabia sobre vitaminas ou hormônios, Yeo já percebia que comer não era apenas questão de matar a fome, mas de curar e prevenir doenças.
O autor organizou o livro em duas grandes partes. Primeiro, apresentou o que cada tipo de alimento fazia no corpo. Depois, descreveu dietas específicas para diferentes doenças, como diabetes, anemia, tuberculose, reumatismo e problemas circulatórios. Ele também incluiu orientações para hospitais e receitas simples para pessoas em recuperação — os chamados convalescentes.
O que ele ensinava sobre os alimentos
Yeo dividiu a comida em cinco grupos principais:
- Proteínas (ou albuminatos) – vindas de carnes, ovos e leite; eram vistas como os “tijolos” que constroem o corpo.
- Gorduras – encontradas em carnes, manteiga e leite integral; consideradas a principal reserva de energia e essenciais para manter o calor corporal.
- Carboidratos (amidos e açúcares) – fontes rápidas de energia, mas que, em excesso, poderiam causar problemas de peso e digestão.
- Sais minerais – importantes para ossos, sangue e músculos.
- Água – indispensável para o funcionamento de todo o organismo.
O mais interessante é que Yeo não via a gordura como vilã. Pelo contrário, defendia que as gorduras eram tão importantes quanto as proteínas, principalmente em pessoas debilitadas ou em recuperação de doenças. Ele observava que dietas com pouca gordura deixavam o corpo mais frio, fraco e vulnerável. A gordura, dizia ele, era a melhor maneira de armazenar energia e sustentar o corpo por longos períodos sem comer — ideia que seria confirmada pela ciência moderna, décadas depois.
Quando a comida vira remédio
Nos capítulos seguintes, Yeo mostrava como ajustar a dieta de acordo com a doença:
- Diabetes: recomendava reduzir açúcares e amidos, priorizando carnes, ovos e gordura animal. Ele notava que esses alimentos mantinham a energia sem elevar o açúcar no sangue.
- Anemia e fraqueza nervosa: indicava carnes ricas em ferro e caldos gordurosos, que “fortaleciam o sangue”.
- Tuberculose e doenças pulmonares: recomendava leite integral, manteiga e gemas, acreditando que o alto teor de gordura ajudava na recuperação e no ganho de peso.
- Reumatismo e doenças do coração: propunha equilíbrio entre proteínas e gorduras, com moderação nos açúcares, algo muito próximo do que se recomenda até hoje para evitar inflamações e excesso de peso.
- Desnutrição infantil: enfatizava o leite fresco e condenava o leite fervido por longos períodos, pois acreditava que o calor destruía “células vivas” e deixava o leite menos nutritivo.
Yeo também explicava que a digestão era um processo delicado: cozinhar demais ou usar alimentos muito processados podia atrapalhar a absorção dos nutrientes. Ele observava, por exemplo, que o leite fervido era pior absorvido e menos eficiente para o crescimento das crianças.
A importância da gordura na recuperação
Nos hospitais, ele orientava que pacientes fracos ou emagrecidos recebessem alimentos ricos em gordura — como caldos com creme, ovos e manteiga — porque a gordura ajudava o corpo a se recuperar da doença e manter o calor interno. Essa visão contrasta com a de muitas décadas posteriores, quando a gordura passou a ser injustamente associada a doenças cardíacas.
Yeo já intuía que a gordura é essencial para a vida, pois fornece mais que o dobro de energia dos carboidratos e ajuda na absorção de vitaminas (A, D, E e K). Também observava que povos que comiam grandes quantidades de gordura animal, como leite e carne, eram fortes e resistentes ao frio — algo confirmado depois em estudos com populações tradicionais do Ártico e da África.
Lições que permanecem atuais
- Comer é parte do tratamento. O que se escolhe no prato pode acelerar ou atrapalhar a recuperação.
- Gordura é energia de qualidade. Ela sustenta, aquece e protege o corpo.
- O equilíbrio vem da comida natural. O autor valorizava alimentos simples — carne, leite, ovos e caldos — e desconfiava de produtos muito industrializados, mesmo antes da era dos ultraprocessados.
- O modo de preparo importa. Cozinhar demais pode destruir nutrientes e reduzir o valor do alimento.
Mais de 150 anos depois, as ideias de Yeo continuam ecoando: a comida verdadeira, rica em nutrientes e gordura natural, ainda é a base da boa saúde.
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