A metformina está associada a níveis baixos de vitamina B12 sem efeito sobre outros níveis vitamínicos: uma ação seletiva da metformina


A metformina é amplamente utilizada no tratamento do diabetes tipo 2. Entre seus efeitos adversos descritos está a redução dos níveis circulantes de vitamina B12, um cofator essencial em vias de síntese de DNA e metabolismo de ácidos graxos e aminoácidos. Em pessoas com deficiência, podem ocorrer anemia, neuropatia periférica, alterações cognitivas e humor deprimido. Diretrizes de cuidado em diabetes já recomendam a verificação periódica da vitamina B12 em usuários de metformina de longa data. Esses pontos são retomados e sistematizados pelo estudo “Metformin is associated with low levels of vitamin B12 with no effect on other vitamin levels. A selective action of metformin”, publicado em 2025, que buscou responder se o efeito da metformina é específico para a B12 ou se se estende a outras vitaminas com mecanismos distintos de absorção intestinal.

O que o estudo investigou

Trata-se de um estudo transversal com 200 pessoas com diabetes tipo 2 em atendimento ambulatorial. Os participantes foram divididos em dois grupos: em uso de metformina e sem metformina. Foram mensurados, em jejum, os níveis de vitaminas B12 e B9 (folato) por imunoensaio automatizado; vitaminas A, C e E por cromatografia líquida de alta eficiência; e vitaminas B1 e B6 por LC-MS/MS, todos métodos laboratoriais validados. Ficaram de fora indivíduos com gastrite atrófica, anemia perniciosa, gestação ou uso de suplementos vitamínicos nos seis meses anteriores. O desfecho principal foi a comparação dos níveis vitamínicos entre os grupos e a prevalência de deficiência de B12, definida como < 141 pmol/L.

Principais resultados

Os grupos com e sem metformina foram semelhantes quanto a idade, tempo de diabetes, IMC, pressão arterial, HbA1c e perfil lipídico, com TFG estimada (eGFR) maior entre os usuários de metformina — achado esperado pela prática clínica. Na comparação entre os grupos, somente a vitamina B12 diferiu de forma significativa: 227,1 ± 96,9 pmol/L nos usuários de metformina versus 325,6 ± 176,8 pmol/L nos não usuários (p < 0,001). Todas as demais vitaminas avaliadas (A, C, E, B1, B6 e folato) não apresentaram diferenças estatísticas. A deficiência de B12 esteve presente em 21,1% dos usuários, e o uso de metformina associou-se a risco triplicado de deficiência no modelo multivariável (OR = 3,01; IC95% 1,32–7,03; p = 0,009), ajustado para idade, sexo, IMC, HbA1c e função renal.

Observações adicionais dos autores

A frequência de consumo de carne foi semelhante entre os grupos, reduzindo a chance de que diferença dietética grosseira explicasse os achados. Pessoas com neuropatia diabética tenderam a apresentar níveis mais baixos de B12, embora a diferença não tenha alcançado significância estatística (p = 0,061).

O que isso significa em termos práticos

A narrativa que emerge é objetiva: entre as vitaminas medidas por métodos padronizados, o efeito da metformina mostrou-se seletivo para a vitamina B12. Em outras palavras, o estudo não encontrou impacto da metformina nas concentrações de vitaminas A, C, E, B1, B6 e B9, enquanto confirmou a associação com níveis mais baixos de B12 e maior prevalência de deficiência. Em usuários crônicos de metformina, sobretudo com maior duração de doença/tratamento, monitorar B12 torna-se uma conduta baseada em evidência e alinhada às recomendações vigentes para o cuidado do diabetes.

Possíveis mecanismos discutidos

Ainda não há mecanismo único e definitivo. As hipóteses levantadas incluem interferência no passo cálcio-dependente de ligação do complexo fator intrínseco–B12 ao receptor de cubilina no íleo; alterações na motilidade do delgado com supercrescimento bacteriano e piora da absorção; mudanças no metabolismo/reabsorção de ácidos biliares; maior captação hepática de B12; e possível redução da secreção de fator intrínseco por células parietais. Tais mecanismos não são mutuamente excludentes e podem coexistir.

Limitações importantes

Por ser transversal, o desenho não permite inferir causalidade direta. Marcadores funcionais de deficiência, como homocisteína e ácido metilmalônico, não foram dosados, o que teria agregado sensibilidade diagnóstica. A amostra veio de um único centro e excluiu usuários de suplementos, o que reduz vieses, mas também limita a generalização. Apesar disso, o estudo apresenta pontos fortes: base de dados completa, critérios de exclusão rigorosos e métodos analíticos robustos para as diversas vitaminas.

Implicações para acompanhamento clínico

Dado o conjunto de achados, o raciocínio clínico fica mais claro: em pessoas com diabetes tipo 2 em uso prolongado de metformina, a triagem de B12 deve ser considerada de forma periódica, com atenção redobrada na presença de sintomas compatíveis (anemia, parestesias, piora de sensibilidade vibratória, queixas cognitivas). A própria discussão do artigo enfatiza que a associação com deficiência de B12 tem relevância clínica e reforça o alinhamento com recomendações contemporâneas de cuidado em diabetes.

Conclusão

O estudo acrescenta uma peça importante ao quebra-cabeça: a ação da metformina sobre vitaminas parece ser seletiva para a B12, sem efeito detectável, nesse conjunto de métodos, sobre outras vitaminas com vias diferentes de absorção. Ao mesmo tempo, sinaliza que a duração do diabetes (um substituto razoável para o tempo de uso do fármaco) está associada a maior chance de deficiência. Em síntese, manter vigilância sobre os níveis de B12 em usuários de metformina é uma prática coerente com a evidência atual e com as diretrizes de cuidado, buscando prevenir e manejar precocemente manifestações clínicas associadas à deficiência.

Fonte: https://doi.org/10.1016/j.numecd.2025.104193

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