Será que os atletas precisam mesmo de tantos carboidratos?


Durante décadas, o mundo do esporte acreditou que a chave do bom desempenho em provas longas era consumir grandes quantidades de carboidratos — antes, durante e depois das competições. As recomendações oficiais sugeriam até 90 gramas por hora em provas de longa duração. Essa ideia foi construída com base em estudos feitos em laboratórios com atletas que seguiam dietas ricas em carboidratos. Mas, nos últimos anos, novas pesquisas começaram a revelar uma realidade diferente — e o novo estudo publicado no European Journal of Sport Science em 2025 reforça essa mudança de perspectiva.

O trabalho, conduzido por Lanpir e colegas, acompanhou 60 atletas de endurance em maratonas e provas de ciclismo. Cada participante informou quanto planejava consumir de carboidratos durante a prova, e os pesquisadores pesaram todos os produtos — géis, bebidas e barras — antes e depois da competição. Assim, descobriram exatamente quanto foi realmente consumido, sem depender da memória ou percepção do atleta.

O resultado foi surpreendente: quase todos comeram menos do que o planejado e ainda acreditaram ter comido mais do que de fato comeram. Os maratonistas consumiram em média 21 gramas por hora, enquanto os ciclistas chegaram a 49 gramas por hora. Isso é muito menos do que as diretrizes tradicionais indicam. Mesmo assim, nenhum sinal de prejuízo direto ao desempenho foi observado, o que levanta uma questão importante: será que o corpo precisa mesmo de tanto carboidrato para funcionar bem em provas longas?

Os dados mostraram algo ainda mais interessante. Os atletas que dormiram melhor e tiveram menos ansiedade antes da prova conseguiram manter o plano de alimentação com mais consistência. Já aqueles que estavam mais tensos ou cansados acabaram comendo menos do que o previsto. Isso mostra que fatores psicológicos e comportamentais influenciam diretamente na forma como o corpo aceita e utiliza a alimentação durante o esforço.

A partir desses achados, o estudo reforça algo que outras pesquisas recentes já vinham mostrando: a necessidade de carboidrato varia muito entre os atletas. Trabalhos do pesquisador Jeff Volek e do médico Stephen Phinney, por exemplo, mostram que pessoas adaptadas a dietas com baixo consumo de carboidratos conseguem manter alto desempenho usando gordura como principal fonte de energia, mesmo em provas de longa duração. Essas pessoas oxidam gordura de forma tão eficiente que precisam de pouca ou nenhuma reposição de carboidrato durante o exercício.

Outras revisões científicas recentes, publicadas em revistas como Sports Medicine e Journal of the International Society of Sports Nutrition, confirmam que atletas com metabolismo flexível — ou seja, capazes de alternar bem entre gordura e glicose como combustível — podem se sair muito bem com ingestões bem menores do que as recomendações clássicas. Em alguns casos, até 30 gramas por hora foram suficientes para manter desempenho estável e evitar desconforto gastrointestinal.

No fundo, essa discussão não é sobre “demonizar” ou “exaltar” o carboidrato, mas sim entender quando e para quem ele é realmente necessário. Para atletas que treinam e se alimentam com base em carboidratos, a suplementação ainda é importante. Mas para aqueles que seguem uma dieta rica em proteínas e gorduras naturais, o corpo se adapta e passa a depender muito menos de reposição rápida de glicose.

O estudo de Lanpir reforça que a realidade de campo é diferente do laboratório. Na prática, atletas consomem menos carboidrato do que planejam — e, curiosamente, isso nem sempre prejudica o desempenho. O mais importante talvez não seja “comer mais”, e sim entender o próprio metabolismo, cuidar do sono, controlar a ansiedade e testar as estratégias alimentares durante os treinos. Afinal, o sucesso na prova depende tanto do que está no prato quanto do que está na cabeça.

Em resumo, as melhores evidências atuais indicam que não existe uma dose única de carboidrato para todos os atletas. Alguns realmente precisam menos do que se pensava. Outros continuam se beneficiando das doses mais altas. O segredo está na personalização — e em abandonar a ideia de que o bom desempenho depende apenas de contar gramas por hora.

Fonte: https://doi.org/10.1002/ejsc.70055

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