A associação entre resistência à insulina avaliada pela taxa estimada de utilização de glicose e a prevalência de AVC e mortalidade em pessoas sem diabetes


Este artigo resume, em linguagem direta, um estudo recente que investigou se um marcador simples de resistência à insulina — a taxa estimada de utilização de glicose (eGDR, do inglês estimated Glucose Disposal Rate) — se relaciona com acidente vascular cerebral (AVC) e mortalidade em adultos sem diabetes. A equipe analisou dados representativos de dois grandes estudos populacionais (EUA e China) e encontrou uma associação consistente: quanto maior a eGDR (isto é, melhor a sensibilidade à insulina), menor a prevalência de AVC e menores riscos de morte.

O que é eGDR e por que importa

A resistência à insulina (RI) é comum e se relaciona a desfechos cardiovasculares piores. Medir a RI pelo “padrão-ouro” (clamp euglicêmico-hiperinsulinêmico) é caro e pouco prático na rotina. A eGDR surge como alternativa clínica acessível porque utiliza medidas rotineiras:

eGDR (mg/kg/min) = 21,158 − (0,09 × circunferência da cintura em cm) − (3,407 × hipertensão [sim=1/não=0]) − (0,551 × HbA1c em %).
Valores mais altos de eGDR indicam melhor sensibilidade à insulina.

Ao integrar cintura abdominal (obesidade central), presença de hipertensão e HbA1c (glicemia crônica), a eGDR capta componentes centrais do risco cardiometabólico em um único índice de fácil obtenção na atenção primária.

Como o estudo foi conduzido

  • Populações:

    • NHANES (EUA), 2003–2014, 11.063 participantes com ≥45 anos, sem diabetes e sem doença coronariana prévia; análise de prevalêngia de AVC (transversal) e mortalidade (acompanhamento mediano de ~118 meses).
    • CHARLS (China), 6.873 participantes ≥45 anos; usou-se para replicação dos achados, incluindo acompanhamento de AVC incidente (~105 meses).
  • Exposição: eGDR (contínua e por tercis).
  • Desfechos: prevalência de AVC e mortalidade por todas as causas, cardiovascular e cerebrovascular.
  • Modelagem: regressões multivariadas (logística e Cox), curvas de Kaplan-Meier, restricted cubic splines e análise de mediação por lipídios (TC, LDL-C, HDL-C, TG), com extensos ajustes para idade, sexo, escolaridade, tabagismo, álcool, estado civil, IMC, perfil lipídico e uso de fármacos.

Principais resultados

1) Prevalência de AVC (NHANES)

  • Cada aumento de 1 unidade na eGDR associou-se a 15% menor prevalência de AVC (OR 0,85; IC95% 0,79–0,90; p<0,001).
  • Versus tercil mais baixo (maior RI), o tercil mais alto apresentou redução de 56% na prevalência de AVC (OR 0,44; IC95% 0,31–0,62; p<0,001), após múltiplos ajustes.

2) Mortalidade (NHANES)

  • eGDR mais alta associou-se a menor mortalidade por todas as causas (HR 0,78; IC95% 0,68–0,89), menor mortalidade cardiovascular (HR 0,70; IC95% 0,53–0,94) e menor mortalidade por doenças cerebrovasculares (HR 0,54; IC95% 0,31–0,94). Efeitos lineares, sem evidência de não-linearidade.

3) Replicação (CHARLS)

  • No conjunto chinês, tercis mais altos de eGDR também se associaram a menor risco de AVC incidente (ex.: HR 0,65; IC95% 0,48–0,87, tercil superior vs. inferior). A associação com mortalidade por todas as causas não foi significativa nesse cenário, ressaltando diferenças contextuais entre coortes.

4) Subgrupos e mediação

  • A proteção ligada a eGDR foi mais pronunciada abaixo dos 60 anos.
  • Lipídios mediaram muito pouco a associação; apenas HDL-C mostrou mediação modesta (~9%) para AVC. Isso sugere vias adicionais não lipídicas (inflamação, estresse oxidativo, disfunção endotelial, entre outras).

O que esses achados significam na prática

Na narrativa dos autores, a eGDR emerge como um marcador integrado e prático de sensibilidade à insulina que, mesmo em pessoas sem diabetes, identifica perfis com menor probabilidade de AVC e menores riscos de mortalidade. Em termos de saúde pública, ela pode apoiar a estratificação de risco onde recursos são limitados, por depender de cintura, pressão arterial/hipertensão e HbA1c, medidas corriqueiras na atenção primária.

Além disso, a mediação lipídica mínima indica que intervenções focadas apenas em lipídios podem não explicar completamente os benefícios associados a melhor sensibilidade à insulina. A RI sistêmica e seus efeitos sobre o endotélio, a inflamação e a função mitocondrial provavelmente compõem grande parte da ponte causal com o AVC e a mortalidade.

Limitações reconhecidas pelos autores

  • AVC foi identificado por autorrelato de diagnóstico médico, o que pode introduzir viés de memória.
  • A eGDR foi medida apenas na linha de base, sem trajetória temporal.
  • Diferenças entre coortes (idade, distribuição de eGDR, uso de medicamentos, contextos socioeconômicos e de acesso à saúde) podem modular a força das associações, como visto na ausência de relação com mortalidade total no CHARLS.

Pontos fortes do estudo

  • Amostras nacionais, grandes e representativas (EUA e China).
  • Seguimento longo para mortalidade e replicação independente dos achados de AVC.
  • Modelagem robusta, com análises de sensibilidade, avaliação de riscos competitivos e meta-análise integrando as coortes.

Conclusão

Com base em duas coortes de grande porte, a mensagem central permanece clara: em adultos sem diabetes, eGDR mais alta (melhor sensibilidade à insulina) associa-se a menor prevalência de AVC e a menores riscos de mortalidade. Trata-se de um indicador simples, econômico e aplicável em serviços de saúde de variados níveis, capaz de orientar estratégias de prevenção e manejo do risco cerebrovascular. A interpretação clínica, contudo, deve considerar o contexto populacional, como sugerem as diferenças observadas entre EUA e China.

Fonte: https://doi.org/10.1186/s13098-025-01956-6

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