Diretrizes da Associação Britânica de Dietética para o manejo dietético da constipação crônica


A constipação crônica (CC) é um distúrbio gastrointestinal persistente que afeta entre 10% e 20% dos adultos no mundo. Os sintomas — evacuações infrequentes, fezes endurecidas, esforço excessivo e sensação de evacuação incompleta — comprometem significativamente o bem-estar físico e psicológico. Além disso, o uso prolongado de laxantes e intervenções empíricas sem eficácia comprovada é comum, resultando em frustração e riscos de efeitos colaterais.

Em 2025, a Associação Britânica de Dietética (BDA) publicou suas Diretrizes para o Manejo Dietético da Constipação Crônica em Adultos, com base em revisão sistemática e classificação de evidência. A proposta era oferecer recomendações seguras e baseadas em resultados clínicos mensuráveis. No entanto, ao analisar os dados, torna-se evidente que grande parte das intervenções dietéticas apresenta resultados modestos, inconsistentes ou de baixa qualidade científica, o que limita a força das conclusões.

Qualidade geral das evidências: baixa a muito baixa

A principal limitação identificada nas diretrizes é o baixo nível de confiança nas evidências disponíveis. Os autores utilizaram o sistema GRADE, que avalia a certeza de evidência e a força da recomendação, e constataram que a maioria dos estudos sobre constipação crônica tem:

  • Amostras pequenas e pouco representativas.
  • Curta duração de acompanhamento (geralmente 2 a 4 semanas).
  • Falta de padronização de desfechos clínicos, como frequência evacuatória e consistência fecal.
  • Risco de viés elevado, sobretudo por ausência de mascaramento e controle dietético rigoroso.

Isso significa que, embora algumas intervenções mostrem resultados positivos pontuais, não há base sólida para generalização ou para uso prolongado em pacientes com constipação crônica resistente.

Desfechos negativos observados nas principais intervenções

1. Fibras dietéticas e psyllium

O psyllium é frequentemente recomendado como primeira linha de tratamento. Entretanto, as diretrizes alertam que:

  • A resposta é altamente variável. Muitos pacientes relatam aumento de gases, distensão abdominal e cólicas, especialmente nas primeiras semanas.
  • Em casos de constipação crônica refratária, o acréscimo de fibra pode agravar os sintomas, reduzindo o conforto intestinal.
  • A adesão é baixa: palatabilidade ruim, necessidade de alta ingestão hídrica e uso contínuo dificultam o seguimento a longo prazo.

Portanto, embora o psyllium tenha resultados moderadamente favoráveis, seu efeito é incerto e frequentemente acompanhado de desconforto gastrointestinal.

2. Probióticos

Os probióticos ganharam atenção como opção “natural”, mas as diretrizes destacam problemas relevantes:

  • Heterogeneidade das cepas testadas impede conclusões consistentes. Cada produto usa microrganismos diferentes, doses e tempos de uso distintos.
  • A maioria dos ensaios mostra benefício mínimo ou ausência de diferença significativa em relação ao placebo.
  • Alguns pacientes relatam flatulência, distensão e cólicas — sintomas que, em casos de constipação funcional, podem piorar a sensação de desconforto abdominal.

Em resumo, os efeitos positivos dos probióticos são frágeis e inconsistentes, e a BDA classifica sua recomendação como condicional, enfatizando que seu uso deve ser avaliado caso a caso.

3. Óxido de magnésio

Embora o óxido de magnésio mostre eficácia na melhora do trânsito intestinal, as diretrizes alertam para riscos metabólicos e renais:

  • Em uso prolongado, pode causar hipermagnesemia, especialmente em idosos e em pacientes com função renal reduzida.
  • Efeitos colaterais como diarreia, desidratação e desequilíbrio eletrolítico são frequentes quando há erro na dosagem.
  • A literatura carece de ensaios clínicos de longo prazo avaliando segurança metabólica.

Portanto, mesmo sendo barato e amplamente disponível, o óxido de magnésio não é isento de riscos e requer acompanhamento médico-laboratorial.

4. Alimentos e bebidas com alegações de eficácia

Alguns alimentos específicos — como kiwi, pão de centeio e águas minerais ricas em magnésio ou sulfato — apresentaram resultados positivos em pequenos ensaios. Porém, as diretrizes reforçam suas limitações:

  • Os estudos são pequenos e de curta duração, com controle inadequado da dieta total.
  • O efeito é modesto e frequentemente não sustentado após a interrupção do alimento.
  • falta de replicação independente — poucos grupos de pesquisa confirmaram os mesmos resultados.

Além disso, intervenções baseadas em frutas e cereais podem aumentar a fermentação intestinal, resultando em gases e distensão, o que agrava o desconforto em pacientes sensíveis.

5. Dietas ricas em fibras de forma generalizada

Apesar de a fibra ser tradicionalmente recomendada, as diretrizes da BDA reconhecem que aumentar indiscriminadamente a ingestão de fibras nem sempre é benéfico.

Os desfechos negativos relatados incluem:

  • Agravamento da dor abdominal e da sensação de plenitude.
  • Maior volume fecal sem melhora na frequência.
  • Piora da qualidade de vida em pacientes com trânsito intestinal lento.

Esses resultados desafiam a noção tradicional de que “mais fibra é sempre melhor”, reforçando a necessidade de individualizar o tratamento.

Intervenções sem evidência convincente

As diretrizes também destacam a ausência de provas consistentes para diversas abordagens populares, incluindo:

  • Dietas vegetarianas, veganas, mediterrâneas ou baseadas em plantas: não há ensaios clínicos controlados avaliando diretamente seus efeitos na constipação crônica.
  • Suplementos à base de plantas e extratos vegetais: ausência de estudos robustos e risco de contaminação ou interações medicamentosas.
  • Aumentar a ingestão geral de líquidos: não há evidência de benefício quando a hidratação já é adequada.

Em todos esses casos, a BDA foi categórica: não emitir recomendação positiva até que existam ensaios controlados de boa qualidade.

Conclusão: o que as diretrizes realmente mostram

Ao contrário da percepção comum de que bastaria “aumentar fibras e líquidos”, as diretrizes da BDA revelam um cenário de incerteza e limitação terapêutica:

  • Evidências frágeis e heterogêneas sustentam a maioria das intervenções.
  • Sintomas adversos e baixa adesão são frequentes, especialmente em estratégias baseadas em fibras e probióticos.
  • A eficácia é modesta e muitas vezes não superior ao placebo.
  • risco de agravamento dos sintomas em pacientes sensíveis ou com constipação refratária.

Diante disso, a principal mensagem das diretrizes é de prudência: antes de recomendar qualquer intervenção dietética, é essencial avaliar o tipo de constipação, o histórico alimentar e a tolerância individual, monitorando os resultados e evitando prescrições genéricas.

A BDA reforça a necessidade urgente de ensaios clínicos maiores, mais longos e metodologicamente rigorosos, capazes de distinguir quais intervenções realmente produzem benefício clínico sustentável e quais apenas reproduzem expectativas não comprovadas.

Fonte: https://doi.org/10.1111/jhn.70133

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