Efeitos de dietas com restrição de carboidratos e das substituições de macronutrientes na saúde cardiovascular e na composição corporal de adultos: uma meta-análise de ensaios randomizados


Uma meta-análise recente publicada como “journal pre-proof” no The American Journal of Clinical Nutrition reuniu 174 ensaios clínicos randomizados, envolvendo 11.481 adultos de 27 países, para avaliar como dietas com restrição de carboidratos (CRD, ≤45% das calorias de carboidratos) impactam marcadores cardiovasculares e a composição corporal. O trabalho também comparou diferentes níveis de restrição (cetogênica, baixa e moderada em carboidratos) e estratégias de substituição calórica (gordura, proteína ou a combinação de ambas).

Por que isso importa

As doenças cardiovasculares seguem como a principal causa de morte no mundo. Dietas com menos carboidratos são frequentemente propostas para reduzir triglicerídeos, pressão arterial e melhorar o perfil lipídico, mas resultados dispersos em estudos anteriores alimentavam incertezas. Esta meta-análise amplia a base de evidências ao integrar um grande conjunto de ensaios, aplicar modelos de efeitos aleatórios e explorar subgrupos relevantes (sexo, IMC, diabetes tipo 2, duração e desenho dos estudos).

Como a meta-análise foi conduzida

Critérios: Adultos ≥18 anos; intervenção comparando CRD a dietas com mais carboidratos; desfechos cardiovasculares (PA, lipídios, apolipoproteinas, marcadores inflamatórios e endoteliais, risco de DCV a 10 anos) e/ou antropométricos (peso, IMC, percentual e massa de gordura, massa magra, circunferências e tecido adiposo visceral).

Classificação das dietas:

  • Cetogênica (KD): ≤10% das calorias (ou 20–50 g/dia).
  • Baixa em carboidratos (LCD): 10–26%.
  • Moderada em carboidratos (MCD): 26–45%.
Substituição de macronutrientes: carboidratos trocados por gordura, proteína ou combinação (gordura+proteína).
Qualidade e sensibilidade: risco de viés com RoB 2; análises de sensibilidade excluindo estudos de alto risco e outliers.

Principais resultados cardiovasculares

Comparadas a dietas com mais carboidratos, as CRD apresentaram:

  • Triglicerídeos: redução média de –15,11 mg/dL.
  • Pressão arterial: –2,05 mmHg (sistólica) e –1,26 mmHg (diastólica).
  • HDL: aumento de +2,92 mg/dL.
  • LDL e colesterol total: aumentos modestos (+4,81 e +4,32 mg/dL, respectivamente).
  • Razões lipídicas e inflamação: melhora de LDL:HDL, TG:HDL e ApoB:ApoA1, além de reduções em CRP, TNF-α e marcadores de disfunção endotelial (ex.: E-selectina).
  • Risco global de DCV (10 anos): queda de –1,05% (IC95% –1,89; –0,21).

Em síntese: apesar dos aumentos modestos em LDL e colesterol total, a melhora nas razões lipídicas — preditores mais fortes de risco — e nos marcadores inflamatórios e endoteliais aponta benefício cardiovascular líquido no conjunto analisado (DOI{target="_blank"}).

Efeitos na composição corporal

Todos os desfechos antropométricos avaliados reduziram com CRD: peso corporal, IMC, percentual e massa de gordura, circunferência da cintura e tecido adiposo visceral. Houve também redução de massa magra/FFM em várias comparações, um ponto de atenção clínica mencionado pelos autores.

O papel do “quão baixa” é a ingestão de carboidratos

  • MCD (26–45%): ofereceu um perfil mais equilibrado entre benefícios cardiovasculares e preservação de massa magra.
  • LCD (10–26%): favoreceu maior perda de peso, com melhora de pressão arterial e marcadores inflamatórios.
  • KD (≤10%): promoveu maior perda de peso, melhorou a razão TG:HDL, porém associou-se a maiores elevações de LDL e colesterol total.
  • Assim, a intensidade da restrição parece modular o trade-off entre perda de peso e alterações lipídicas.

O que substituir no lugar dos carboidratos

Entre as estratégias de substituição, a combinação de gordura + proteína foi a que gerou benefícios mais amplos, abrangendo pressão arterial, lipídios, inflamação e múltiplos marcadores antropométricos. Substituição predominantemente por gordura tendeu a reduzir TG e elevar HDL, enquanto a predominantemente por proteína mostrou redução de colesterol total com preservação de HDL — embora com menos estudos disponíveis nessa categoria.

Para quem os benefícios parecem maiores

  • Mulheres: apresentaram melhorias mais pronunciadas em HDL, IMC, PA diastólica, percentual de gordura, cintura e razão cintura-quadril.
  • Excesso de peso/obesidade: observaram-se reduções mais robustas em peso, IMC e diversos marcadores cardiometabólicos.
  • Diabetes tipo 2: houve quedas consistentes em TG, melhoras em HDL e reduções em peso/IMC e cintura; aumentos em LDL/colesterol total não foram destaque nessa subpopulação.

Duração da intervenção

Quanto mais longa a intervenção, maiores as reduções em LDL:HDL, ApoB:ApoA1 e IL-6, sugerindo que efeitos sobre qualidade do perfil lipídico e inflamação podem se acumular com o tempo.

Pontos de cautela e limitações

  • Massa magra: a perda observada em parte dos ensaios demanda monitorização, especialmente em protocolos com restrição mais intensa.
  • LDL/colesterol total: embora os aumentos médios tenham sido modestos e acompanhados de melhora nas razões lipídicas, recomenda-se avaliação clínica individualizada.
  • Heterogeneidade e viés de publicação: a diversidade de populações/intervenções e assimetrias em funis para alguns desfechos exigem interpretação cuidadosa.
  • Qualidade dos alimentos e geografia: não foi possível padronizar qualidade das fontes alimentares; houve sub-representação de estudos na Ásia, África e América do Sul.

O que este conjunto de ensaios sugere

No agregado, dietas com restrição de carboidratos:

  1. Melhoram triglicerídeos, pressão arterial, HDL, razões lipídicas, inflamação e marcadores endoteliais;
  2. Reduzem peso, gordura corporal e adiposidade central;
  3. Podem elevar LDL e colesterol total de forma modesta, com maior probabilidade em protocolos mais restritivos;
  4. Têm maior amplitude de benefícios quando a energia de carboidratos é combinadamente substituída por gordura e proteína;
  5. Mostram efeitos mais fortes em mulheres e pessoas com excesso de peso/obesidade;
  6. Ganham em desfechos de qualidade lipídica e inflamação com maior duração.

Segundo os autores, a utilização de CRD — especialmente em versões moderadas ou com substituição combinada — pode ser uma estratégia viável para saúde cardiovascular e controle de composição corporal, desde que acompanhada por monitorização clínica, sobretudo quando se opta por restrições mais intensas e em indivíduos com maior risco para alterações lipídicas.

Fonte: https://doi.org/10.1016/j.ajcnut.2025.09.012

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