O câncer de mama está entre os mais comuns em todo o mundo e é responsável por um número significativo de mortes. Uma das características desse tipo de tumor é o uso intenso de glicose como fonte de energia, fenômeno conhecido como efeito Warburg. Essa dependência energética faz com que o tratamento convencional, em alguns casos, tenha limitações. É nesse cenário que surge o interesse pela dieta cetogênica (DC) como opção de apoio, já que ela altera profundamente a forma como o corpo utiliza energia.
Como a dieta cetogênica atua
Na DC, o consumo de carboidratos é reduzido a níveis muito baixos. Com isso, a glicemia e a insulina caem, e o corpo passa a produzir corpos cetônicos a partir da gordura. As células normais conseguem se adaptar a esse combustível alternativo, mas as células tumorais de mama, que dependem fortemente da glicose, ficam em desvantagem. Essa mudança cria um ambiente hostil ao tumor.
Além disso, a DC pode:
- Diminuir a atividade de vias de crescimento celular ativadas pela insulina (como a PI3K-Akt-mTOR).
- Reduzir processos inflamatórios e estresse oxidativo, ligados à progressão do câncer.
- Atuar de forma complementar a medicamentos que perdem eficácia quando os níveis de glicose sobem durante o tratamento.
- Exercer efeitos diretos através do β-hidroxibutirato (BHB), corpo cetônico com ação anti-inflamatória e reguladora da expressão de genes.
Evidências em estudos
Modelos animais: Em camundongos, a DC reduziu massa tumoral, atrasou o crescimento e prolongou a sobrevida. Quando associada a drogas como metformina ou rapamicina, os efeitos foram ainda mais expressivos.
Em humanos: Embora os estudos clínicos ainda sejam poucos, os resultados são consistentes:
- Redução de peso e melhora de parâmetros metabólicos, como glicemia e insulina.
- Melhora na composição corporal e na qualidade de vida durante quimio e radioterapia.
- Em alguns casos, redução do tamanho do tumor ou resposta completa quando a DC foi combinada com tratamento padrão.
Esses achados sustentam a DC como uma intervenção segura e viável em pacientes com câncer de mama, quando acompanhada por equipe multiprofissional.
Limites e cuidados necessários
A dieta cetogênica não deve ser vista como substituta das terapias convencionais, mas como adjuvante. Os efeitos colaterais relatados são geralmente leves e passageiros: sintomas de “gripe cetogênica” (náusea, dor de cabeça, cãibras), fadiga ou alterações gastrointestinais. O risco de pedras nos rins pode ser reduzido com hidratação e equilíbrio de minerais. É fundamental que a dieta seja bem formulada, evitando carências nutricionais e excesso de gorduras de baixa qualidade.
O que ainda falta esclarecer
A literatura científica mostra lacunas importantes:
- Ausência de um protocolo único: os estudos diferem na quantidade de gordura, proteína e calorias.
- Pouca informação sobre o efeito em diferentes subtipos de câncer de mama (Luminal A, Luminal B, Her2+, triplo negativo).
- Necessidade de ensaios clínicos maiores, de longo prazo, avaliando desfechos como sobrevida e recorrência.
Conclusão
As evidências atuais indicam que a dieta cetogênica pode ter papel relevante no cuidado do câncer de mama. Ela cria um ambiente menos favorável ao tumor, melhora o metabolismo do paciente e pode potencializar a ação de terapias já estabelecidas. No entanto, ainda é cedo para propor protocolos definitivos. O caminho promissor é o da nutrição de precisão, adaptando a estratégia dietética ao perfil metabólico de cada paciente e do próprio tumor. Até lá, a DC deve ser sempre aplicada como complemento, sob supervisão clínica, e nunca como substituto do tratamento oncológico.
Fonte: https://doi.org/10.1016/j.semcancer.2025.09.001
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