Colesterol, dietas e diretrizes: uma análise crítica além das manchetes


O colesterol sempre aparece nas manchetes de saúde como vilão. Termos como “colesterol ruim” e recomendações para cortar gorduras animais ou seguir dietas vegetarianas são repetidos de forma simplificada, mas a ciência mostra um quadro bem mais complexo.

Duas matérias recentes do portal Metrópoles são bons exemplos de como essas mensagens chegam ao público:

Harvard revela a melhor dieta para ajudar a reduzir o colesterol (27/09/2025), que afirma:

“Segundo uma publicação de Harvard, a dieta mais eficaz para reduzir o colesterol total e o LDL é a vegetariana. No entanto, esse não é um regime fácil de seguir. Logo, muitas pessoas têm preferência por uma dieta mediterrânea... Para manter um peso ideal, você deve ingerir apenas a quantidade de calorias que queima por dia. Se você precisa perder peso, precisa ingerir menos calorias do que queima.”
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Nova diretriz da SBC estabelece limites mais rígidos para colesterol (24/09/2025), que destaca:

“De acordo com as novas metas, indivíduos de baixo risco cardiovascular devem manter o LDL abaixo de 115 mg/dL. Já para quem apresenta risco extremo — pacientes com eventos recorrentes, progressão acelerada da aterosclerose ou condições graves associadas —, o limite passa a ser de 40 mg/dL.

‘A grande novidade é a criação da categoria de risco cardiovascular extremo. Esses pacientes demandam acompanhamento contínuo, metas ainda mais rígidas e início precoce de terapia combinada’, explicou a cardiologista Nara Kobbaz, da Sociedade Brasileira de Cardiologia.”
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Esses dois textos levantam pontos importantes que merecem ser confrontados com as melhores evidências científicas disponíveis.

Colesterol: não existe “ruim” ou “bom”, e sim partículas diferentes

A ideia de “colesterol ruim” (LDL) e “colesterol bom” (HDL) é um rótulo simplista. O colesterol é uma molécula única, essencial para a vida:

  • Compõe as membranas celulares.
  • Participa da síntese de hormônios sexuais e da vitamina D.
  • É matéria-prima para ácidos biliares, que ajudam na digestão das gorduras.

O que muda é o tipo de lipoproteína que transporta o colesterol:

  • LDL leva colesterol do fígado para os tecidos.
  • HDL leva colesterol de volta ao fígado.

Ambos são necessários. O risco cardiovascular não depende apenas da quantidade de LDL, mas do tamanho, densidade e oxidação das partículas. Estudos mostram que partículas pequenas e oxidadas estão mais associadas à aterosclerose, enquanto LDL grandes e flutuantes representam risco muito menor (Krauss, 2010, Atherosclerosis).

O viés vegetariano de Harvard

A defesa da dieta vegetariana como “a mais eficaz” não é neutra. Ela vem em grande parte da Harvard T.H. Chan School of Public Health, onde atua Walter Willett, um dos mais influentes epidemiologistas nutricionais do mundo.

Willett foi coautor do relatório da Comissão EAT-Lancet, que propunha reduzir drasticamente o consumo de alimentos de origem animal em escala global. Esse relatório foi duramente criticado por cientistas e pela FAO/ONU, que apontaram baixa qualidade metodológica, falhas nas projeções e forte viés ideológico (FAO, 2020).

Além disso, grande parte das pesquisas usadas nesse tipo de recomendação são estudos observacionais baseados em questionários alimentares, que não conseguem estabelecer causa e efeito de forma confiável (Ioannidis, 2018, JAMA).

Ou seja, quando Harvard afirma que a dieta vegetariana é “a mais eficaz”, é importante lembrar que se trata de uma visão alinhada a uma agenda pró-vegetariana, não de consenso científico universal.

A dieta vegetariana é “a mais eficaz”?

  1. LDL isolado não prediz mortalidade com precisão: Reduzir apenas o LDL-colesterol não garante automaticamente menor mortalidade cardiovascular. Uma análise sistemática no BMJ Evidence-Based Medicine mostrou que atingir metas numéricas “cada vez mais baixas” de LDL nas diretrizes não se traduziu consistentemente em melhores desfechos clínicos (DuBroff et al., 2021). Além disso, uma revisão independente concluiu que o LDL-C, por si só, não pode ser considerado causa direta de doença cardiovascular, destacando inconsistências na literatura (Ravnskov et al., 2018).
  2. Dietas vegetarianas aumentam risco de deficiências: Dietas sem alimentos de origem animal elevam o risco de deficiência de vitamina B12, ferro heme, zinco e DHA (Mariotti & Gardner, 2019).
  3. Dietas com carnes não processadas e laticínios integrais são protetoras: O PURE study mostrou que consumo moderado desses alimentos está associado a menor mortalidade global (Dehghan et al., 2017).

O mito das gorduras saturadas

A matéria sugere:

“Nessas circunstâncias, o ideal é optar por uma alimentação saudável, rica em alimentos in natura ou minimamente processados, sem excessos de gorduras saturadas (originadas da gordura de produtos animais).”

Esse trecho transmite a ideia de que toda gordura animal é saturada, mas isso não é verdade. Nenhum alimento tem apenas um tipo de gordura.

  • Banha de porco contém mais gordura monoinsaturada do que saturada.
  • Manteiga contém saturadas, mas também mono e poli-insaturadas, além de vitaminas.
  • Carne bovina contém quantidades relevantes de ácido oleico, o mesmo presente no azeite.

Por outro lado, o coco, um alimento vegetal, tem mais de 80% de gorduras saturadas — proporção maior do que na carne bovina. Isso mostra que não é a origem (animal ou vegetal) que define o tipo de gordura predominante.

Revisão do BMJ mostrou não haver associação consistente entre gordura saturada e risco cardiovascular (de Souza et al., 2015). E o Journal of the American College of Cardiology reforçou que substituir saturadas por carboidratos refinados aumenta o risco (Siri-Tarino et al., 2020).

O mito das calorias

A matéria também afirma:

“Para manter um peso ideal, você deve ingerir apenas a quantidade de calorias que queima por dia. Se você precisa perder peso, precisa ingerir menos calorias do que queima.”

Essa visão ignora como o corpo regula o metabolismo. Nem todas as calorias são iguais. A resposta hormonal, a saciedade e o gasto energético variam de acordo com o tipo de alimento.

  • O ensaio DIETFITS mostrou que diferentes composições de macronutrientes (baixo carboidrato vs. baixa gordura) resultaram em respostas distintas, mesmo com calorias semelhantes (Gardner et al., 2018, JAMA).
  • David Ludwig mostrou que dietas ricas em carboidratos de alto índice glicêmico reduzem o gasto energético e aumentam a fome, mesmo com calorias iguais (Ludwig et al., 2021).
  • Estudo do NIH comprovou que dietas baseadas em ultraprocessados levam a maior ganho de peso espontâneo do que dietas in natura com igual teor calórico (Hall et al., 2019, Cell Metabolism).

Portanto, emagrecimento e saúde não são apenas uma questão de “calorias que entram e saem”, mas da qualidade dos alimentos e de seus efeitos metabólicos.

As novas metas da SBC: uma análise crítica

A Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) agora recomenda:

  • <115 mg/dL para baixo risco
  • <40 mg/dL para risco extremo

Essa abordagem gera controvérsia.

  1. Prevenção primária (baixo risco): benefício modesto: Revisão da Cochrane mostrou que estatinas em prevenção primária reduzem eventos, mas o benefício absoluto é pequeno, o que não justifica metas tão rígidas para toda a população (Taylor et al., 2013).
  2. Prevenção secundária (alto risco): há benefício em reduzir mais: O IMPROVE-IT trial e estudos com inibidores de PCSK9 mostraram redução de eventos ao baixar LDL para níveis muito baixos, mas apenas em pacientes de risco muito elevado, após eventos prévios (Cannon et al., 2015, NEJM).
  3. Escore de cálcio coronariano (CAC): marcador superior: O CAC é muito mais eficaz do que o LDL isolado para prever risco cardiovascular. Pessoas com LDL alto, mas CAC = 0, apresentam risco muito baixo de eventos (Budoff et al., 2018, JACC).

Em resumo, reduzir LDL faz sentido em alto risco e prevenção secundária, mas impor metas universais e muito baixas em baixo risco não encontra respaldo sólido nos estudos de desfecho clínico.

Conclusão

A análise crítica das matérias do Metrópoles revela três pontos centrais:

  1. Não existe “colesterol ruim”. LDL e HDL são lipoproteínas com funções distintas; o problema está em alterações metabólicas que tornam certas partículas mais aterogênicas.
  2. A defesa da dieta vegetariana como “mais eficaz” reflete um viés de Harvard, liderado por Walter Willett, ligado ao relatório EAT-Lancet, que foi criticado por metodologias frágeis e motivações ideológicas.
  3. As gorduras animais não são exclusivamente saturadas. Pelo contrário, contêm proporções de mono e poli-insaturadas, enquanto vegetais como o coco são riquíssimos em saturadas.
  4. O mito das calorias não se sustenta. Não é apenas “comer menos do que gasta”, mas sim como os alimentos afetam saciedade, hormônios e gasto energético.
  5. As novas metas da SBC para LDL são questionáveis em baixo risco. Embora haja benefício em reduzir LDL em prevenção secundária, impor limites rígidos em indivíduos sem doença estabelecida pode levar a medicalização excessiva sem ganho proporcional.

A saúde cardiovascular não depende de eliminar alimentos de origem animal, de demonizar gorduras ou de perseguir números cada vez mais baixos em exames. O que importa é o conjunto: alimentação nutritiva, atividade física, sono adequado, controle do estresse e acompanhamento médico individualizado.

Fontes: 

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