Este relato clínico publicado no American Journal of Preventive Cardiology descreve um achado que desafia interpretações simplificadas sobre lipídios e risco cardiovascular: um homem de 48 anos, saudável, com LDL-colesterol (LDL-c) extremamente elevado (421 mg/dL) após 12 anos em dieta cetogênica, apresentou escore de cálcio coronariano (CAC) igual a zero e ausência de placas à angiotomografia coronária (CCTA). O caso é discutido no contexto do fenótipo conhecido como LMHR (lean mass hyper-responder), ressaltando a necessidade de avaliação de risco mais abrangente do que a simples leitura do LDL-c isolado.
O caso, em resumo
O paciente não tinha histórico de hipertensão, diabetes, tabagismo ou hipercolesterolemia familiar. Antes da mudança alimentar, seu LDL-c era 125 mg/dL. Doze anos após a adoção da dieta cetogênica, exames laboratoriais mostraram: colesterol total 529 mg/dL, LDL-c 421 mg/dL, HDL-c 107 mg/dL e triglicerídeos 56 mg/dL. Ainda assim, a avaliação por imagem documentou CAC = 0 e ausência de aterosclerose na CCTA.
O perfil lipoproteico por Ressonância Magnética Nuclear (NMR) LipoProfile revelou contagem total de partículas LDL de 2547 nmol/L, com predominância de partículas LDL grandes—um subtipo classificado pelos autores como menos aterogênico em relação às partículas pequenas. A distribuição reportada foi: LDL grandes 86,5%, LDL pequenas 6,1% e IDL 7,4%.
O paciente recusou terapêutica com estatina por estar assintomático e em bom estado geral, mantendo a dieta cetogênica e acompanhamento clínico.
Métodos e exames citados
- CAC (Coronary Artery Calcium): marcador de carga aterosclerótica calcificada; resultado zero neste caso.
- CCTA (Coronary Computed Tomography Angiography): não evidenciou placas coronarianas.
- NMR LipoProfile: quantificação e distribuição de partículas LDL, com predomínio de partículas grandes.
Principais achados
- Dissociação entre LDL-c e aterosclerose coronariana: apesar do LDL-c muito elevado, não houve evidência de doença aterosclerótica nas coronárias por CAC e CCTA.
- Fenótipo LMHR: o caso é enquadrado pelos autores no espectro de indivíduos com massa corporal magra, HDL-c alto, triglicerídeos baixos e LDL-c elevado em dietas muito pobres em carboidratos. Eles defendem que o risco não deve ser inferido apenas pelo LDL-c.
- Perfil de partículas LDL: 86,5% de LDL grandes (consideradas no texto como menos propensas à aterogenicidade em relação às pequenas), 6,1% de LDL pequenas e 7,4% de IDL.
Interpretação apresentada pelos autores
Os autores concluem que o caso “ressalta a complexidade do LDL-c como preditor de ASCVD” e defende a avaliação cardiovascular abrangente, incorporando escore de cálcio e análise do tamanho de partículas LDL, sobretudo em fenótipos como o LMHR. Sublinham a importância de estratégias personalizadas de manejo lipídico e a necessidade de estudos prospectivos para esclarecer as implicações de longo prazo da hipercolesterolemia induzida por dieta nesse grupo.
Limitações explicitadas/implicadas pelo formato de caso
- N=1: trata-se de um relato de caso, não permitindo inferências causais nem generalização ampla. Os próprios autores chamam por mais pesquisas para determinar desfechos de longo prazo em LMHR.
- Ausência de seguimento clínico detalhado de eventos: o foco do texto é imagem e perfil lipídico; não há relatório de eventos duros (ex.: infarto, morte cardiovascular) ao longo do tempo.
Implicações práticas que o artigo sugere
- Evitar decisões clínicas baseadas apenas no LDL-c isolado quando há achados de imagem favoráveis (ex.: CAC = 0) e bom perfil metabólico; considerar o conjunto do risco.
- Em cenários semelhantes (LMHR), avaliar partículas LDL e utilizar métodos de imagem (CAC e, quando indicado, CCTA) para refinar a estratificação de risco.
- Individualizar a conduta e acompanhar: os autores destacam manejo personalizado e a necessidade de pesquisa adicional para orientar decisões terapêuticas.
- Nota editorial: Este post resume fielmente o conteúdo do relato, sem extrapolações além do que está documentado no texto original. Qualquer decisão terapêutica deve ser tomada por equipe de saúde com base no perfil individual do paciente e na totalidade das evidências pertinentes reportadas.
Conclusão
O caso descrito documenta LDL-c muito elevado em indivíduo em dieta cetogênica com CAC = 0 e CCTA sem placas, além de predominância de partículas LDL grandes. Os próprios autores advertem que o LDL-c, isoladamente, pode não capturar todo o risco em fenótipos específicos, propondo estratégias de avaliação e manejo personalizadas e pesquisa adicional para esclarecer os desfechos a longo prazo. Em prevenção cardiovascular, contexto clínico, imagem e perfil metabólico devem ser integrados antes de conclusões terapêuticas.
Fonte: https://doi.org/10.1016/j.ajpc.2025.101242
