O efeito do jejum intermitente na resistência à insulina, perfil lipídico e inflamação na síndrome metabólica: revisão sistemática e meta‑análise com avaliação GRADE


Neste post, veremos o que um grupo de pesquisadores observou ao reunir ensaios clínicos randomizados (ECR) sobre jejum intermitente e marcadores cardiometabólicos em adultos com síndrome metabólica, diabetes tipo 2 ou tolerância à glicose alterada. O trabalho é uma revisão sistemática com meta‑análise publicada em 2025 no Journal of Health, Population and Nutrition, com avaliação formal da certeza da evidência pelo sistema GRADE (DOI: 10.1186/s41043-025-01039-2).

O foco recai sobre desfechos clínicos de grande relevância: glicemia de jejum (FPG/FBS), HbA1c, resistência à insulina (HOMA‑IR), lipídios sanguíneos (colesterol total, LDL‑c, HDL‑c, triglicerídeos) e marcadores inflamatórios (PCR, IL‑6, TNF‑α).

Como o estudo foi conduzido

  • Tipo de estudo: revisão sistemática com meta‑análise de ECR, seguindo o Cochrane Handbook e PRISMA.
  • Busca: PubMed, Embase, Cochrane, Scopus e Web of Science até março de 2025.
  • População: adultos (>18 anos) com condições metabólicas (síndrome metabólica, DM2 ou glicemia alterada em jejum).
  • Intervenções: diferentes protocolos de jejum (jejum intermitente, alternate‑day fasting, restrição de tempo de alimentação), com duração entre 1 e 16 semanas.
  • Comparadores: dieta habitual, restrição calórica contínua ou cuidados usuais.
  • Qualidade metodológica: risco de viés avaliado com RoB 2; certeza da evidência pelo GRADE.
  • Base de estudos: 8 ECR (n=573), publicados entre 2017 e 2024, conduzidos em EUA, Alemanha, Turquia, China, Irã e Tailândia (Lu et al., 2025).

Principais resultados (meta‑análise)

A síntese quantitativa mostrou, de forma resumida:

Controle glicêmico e resistência à insulina

  • Glicemia de jejum (FBS): redução média ponderada (WMD) de −3,34 mg/dL (IC95% −6,24 a −0,45; p=0,024). Certeza baixa (GRADE), com heterogeneidade elevada.
  • HbA1c: redução média de −0,08 ponto percentual (IC95% −0,13 a −0,02; p=0,005). Certeza moderada.
  • HOMA‑IR: redução média de −0,60 (IC95% −0,91 a −0,28; p<0,001). Certeza alta.
  • Insulina sérica: tendência à redução (−1,60 mU/L; IC95% −3,26 a 0,06; p=0,059), não significativa; certeza moderada.

Análise de subgrupos (duração): intervenções ≥12 semanas mostraram efeito maior sobre resistência à insulina (SMD −0,55) em comparação às <12 semanas (SMD −0,30), sugerindo benefício crescente com maior tempo de intervenção (Lu et al., 2025).

Perfil lipídico

  • LDL‑c: redução média de −6,42 mg/dL (IC95% −12,26 a −0,58; p=0,031); certeza moderada.
  • Colesterol total, HDL‑c e triglicerídeos: sem mudanças estatisticamente significativas na média agrupada; certezas moderadas.

Inflamação

  • IL‑6: redução média de −0,58 pg/mL (IC95% −1,08 a −0,08; p=0,022); certeza moderada.
  • PCR e TNF‑α: sem diferenças significativas; certezas moderadas (com imprecisão e heterogeneidade).

Robustez e viés de publicação

  • As análises de sensibilidade leave‑one‑out mantiveram os efeitos principais.
  • Não houve evidência de viés de publicação pelos testes de Begg.
  • O risco de viés global foi predominantemente baixo; alguns domínios apresentaram “alguma preocupação” em estudos individuais, mas sem comprometer a conclusão geral (Lu et al., 2025).

O que esses achados significam

Do ponto de vista clínico, a metanálise indica que protocolos de jejum, quando comparados a controles (incluindo restrição calórica contínua ou dieta habitual), melhoram a sensibilidade à insulina (HOMA‑IR) e promovem pequenas reduções em HbA1c e glicemia de jejum. O LDL‑c também apresentou redução média modesta, e houve queda de IL‑6, marcador associado à inflamação de baixo grau.

Embora alguns desfechos (insulina, PCR, TNF‑α, triglicerídeos, HDL‑c e colesterol total) não tenham mostrado diferenças significativas, a direção média dos efeitos foi, em geral, favorável nos estudos agregados. Importa frisar que:

  • A certeza da evidência variou de alta (HOMA‑IR) a moderada (maioria) e baixa (FBS).
  • Heterogeneidade entre estudos (diferenças em protocolos de jejum, duração e perfil dos participantes) limita a precisão de algumas estimativas.
  • Duração maior (≥12 semanas) associou‑se a ganhos mais consistentes na resistência à insulina.

Detalhes dos protocolos incluídos

Os ECR analisados abarcaram diferentes estratégias:

  • Restrição de tempo de alimentação (TRE): janela alimentar reduzida ao longo do dia; exemplo em adultos com síndrome metabólica (Lu et al., 2025, citando Manoogian et al., 2024).
  • Jejum em dias alternados (ADF) e variações “modificadas”: alternância entre dias de restrição energética marcada e dias de alimentação ad libitum.
  • Protocolos hipocalóricos de curtíssimo prazo: terapias de jejum estruturadas por uma semana com líquidos de baixo valor energético em contextos específicos (por exemplo, comorbidades metabólicas).

Apesar das diferenças metodológicas, a tendência agregada favoreceu o jejum para HOMA‑IR, HbA1c, FBS, LDL‑c e IL‑6.

Possíveis mecanismos (conforme discutido pelos autores)

O manuscrito discute mecanismos plausíveis que podem explicar os efeitos observados, com base em literatura de fisiologia e metabolismo:

  • Redução da produção hepática de glicose e melhora da sinalização insulínica, levando à queda do HOMA‑IR.
  • Mobilização de ácidos graxos e maior flexibilidade metabólica, contribuindo para perfis lipídicos menos aterogênicos.
  • Modulação de vias inflamatórias (queda de IL‑6) possivelmente mediada por alterações na adiposidade, no estresse oxidativo e na microbiota intestinal.
  • Essas interpretações são apresentadas pelos autores com referências de suporte dentro do próprio artigo de revisão (Lu et al., 2025).

Força e limites da evidência

Forças

  • Síntese atualizada (busca até março/2025), focada exclusivamente em ECR.
  • Avaliações padronizadas de risco de viés (RoB 2) e certeza (GRADE).
  • Análises de sensibilidade e exploração de duração como moderador do efeito.

Limitações

  • Número de estudos ainda pequeno para certos desfechos; amostras modestas.
  • Heterogeneidade entre protocolos de jejum e populações.
  • Imprecisão em alguns desfechos (IC95% cruzando diferenças clinicamente mínimas importantes).

Implicações práticas

Com base no conjunto de ECR agregados nesta meta‑análise, conclui‑se que intervenções de jejum:

  • Melhoram a resistência à insulina (evidência alta), com benefícios maiores quando mantidas por 12 semanas ou mais.
  • Produzem reduções pequenas, porém consistentes, em HbA1c e glicemia de jejum (evidência moderada a baixa, respectivamente).
  • Reduzem o LDL‑c em média (evidência moderada).
  • Diminuem IL‑6, sugerindo efeito anti‑inflamatório (evidência moderada).

Ao mesmo tempo, a ausência de efeitos significativos sobre PCR, TNF‑α, triglicerídeos, HDL‑c e colesterol total indica que tais marcadores podem exigir intervenções mais longas, maior aderência, complemento de estilo de vida (atividade física, sono), ou simplesmente não serem tão sensíveis aos protocolos testados nos prazos observados.

Conclusão

O conjunto de ECR incluídos indica que o jejum, em diferentes formatos, está associado a melhor controle glicêmico (FBS, HbA1c) e melhor sensibilidade à insulina (HOMA‑IR), além de redução de LDL‑c e IL‑6. A certeza é alta para HOMA‑IR e moderada para a maioria dos demais desfechos. Os autores destacam que ensaios adicionais, com amostras maiores, duração mais longa e protocolos mais uniformes, podem refinar essas estimativas e esclarecer a resposta de marcadores que não mostraram diferenças estatisticamente significativas nesta síntese (Lu et al., 2025).

Referências citadas no texto

Lu L, Chen X, Liou S, Weng X. The effect of intermittent fasting on insulin resistance, lipid profile, and inflammation on metabolic syndrome: a GRADE assessed systematic review and meta‑analysis. J Health Popul Nutr. 2025;44:293. https://doi.org/10.1186/s41043-025-01039-2
Postagem Anterior Próxima Postagem
Rating: 5 Postado por: