Associação entre macronutrientes da dieta, lesões vasculares cerebrais e cognição: evidências em adultos de meia-idade sem doenças cardiovasculares


Ao investigar os efeitos da alimentação sobre o cérebro, um novo e abrangente estudo internacional publicado na eClinicalMedicine (The Lancet, agosto de 2025) reuniu dados de quase 10 mil adultos de meia-idade saudáveis de quatro países (Canadá, Polônia, Índia e China) e revelou associações importantes entre o consumo de macronutrientes — como carboidratos, proteínas e gorduras — e alterações cerebrais detectadas por ressonância magnética, além de desempenho cognitivo.

O estudo, denominado CAHHM-PURE-MIND, teve como objetivo explorar a relação entre os diferentes tipos de macronutrientes consumidos na dieta e a presença de lesões cerebrais vasculares subclínicas, além do desempenho em testes cognitivos. Os participantes tinham entre 35 e 69 anos e não apresentavam histórico de doenças cardiovasculares ou demência.

Contexto e motivação do estudo

A demência é uma das principais causas de morte em idosos e sua prevalência global está em rápido crescimento. Lesões cerebrais vasculares subclínicas — como infartos cerebrais silenciosos e alterações na substância branca — são frequentemente encontradas em pessoas aparentemente saudáveis, sendo marcadores precoces de declínio cognitivo e maior risco de demência. Identificar fatores modificáveis, como a alimentação, que possam reduzir esse risco é prioridade em saúde pública.

Como foi feito o estudo

A alimentação dos participantes foi avaliada por meio de questionários alimentares validados, adaptados a cada país. As ressonâncias magnéticas cerebrais detectaram lesões vasculares silenciosas, como infartos cerebrais subclínicos e hipersinal de substância branca (WMH). O desempenho cognitivo foi avaliado com dois testes: o Montreal Cognitive Assessment (MoCA) e o Digit Symbol Substitution Test (DSST).

O consumo de macronutrientes foi analisado em proporção ao total calórico (percentual de energia - %E) e dividido em três grupos: baixo, médio e alto consumo. Os modelos estatísticos ajustaram para fatores como idade, sexo, escolaridade, renda, atividade física, hipertensão, diabetes, entre outros.

Principais achados

1. Carboidratos

  • Participantes com maior consumo de carboidratos tiveram maior prevalência de:
    • Infartos cerebrais silenciosos (OR 1,40; IC95% 1,11–1,78)
    • Hipersinal de substância branca (OR 1,51; IC95% 1,20–1,89)
    • Lesão vascular cerebral composta (OR 1,48; IC95% 1,24–1,75)
  • Também apresentaram piores escores cognitivos nos testes MoCA e DSST.

2. Gorduras totais

  • Maior ingestão foi associada a:
    • Menor prevalência de infartos silenciosos (OR 0,75; IC95% 0,60–0,94)
    • Menor risco de lesão vascular cerebral composta (OR 0,77; IC95% 0,65–0,91)
  • Houve tendência de melhor desempenho cognitivo no DSST.

3. Gorduras específicas

  • Gorduras saturadas: associadas a menor risco de infartos cerebrais subclínicos.
  • Gorduras monoinsaturadas:

    • Menor risco de infartos silenciosos, WMH e lesão vascular composta.
    • Maior desempenho no DSST.
  • Gorduras poli-insaturadas:
    • Tendência de menor risco de lesões vasculares (mais forte em mulheres).
    • Maior escore no DSST.

4. Proteínas

  • Nenhuma associação significativa foi observada com os desfechos principais, embora tenha havido tendência (não significativa) de menor risco de lesões com maior ingestão.

Interpretação e implicações

Os dados sugerem que uma dieta com maior proporção de gorduras e menor proporção de carboidratos pode estar associada a:

  • Menor presença de lesões cerebrais vasculares detectadas por imagem.
  • Melhora no desempenho cognitivo em adultos de meia-idade, mesmo antes da manifestação de sintomas clínicos.

Segundo os autores, tais achados reforçam a importância das intervenções alimentares como uma via viável de prevenção do declínio cognitivo e possivelmente da demência. Esses efeitos podem estar relacionados a mecanismos como redução de hiperglicemia, estresse oxidativo, inflamação e maior integridade estrutural de neurônios e bainhas de mielina.

Vale destacar que o estudo utilizou dados de alta qualidade (incluindo ressonância magnética cerebral e avaliação cognitiva padronizada) e teve ajuste para uma ampla gama de fatores de confusão, o que confere robustez aos resultados. No entanto, sendo um estudo transversal, não é possível estabelecer causalidade.

Conclusão

Esse estudo amplia as evidências de que qualidade e proporção dos macronutrientes na dieta têm impacto direto não apenas sobre a saúde metabólica, mas também sobre a saúde cerebral. Reduzir a ingestão de carboidratos e priorizar fontes saudáveis de gordura pode ser uma estratégia relevante para manter a cognição e prevenir lesões vasculares cerebrais silenciosas.

Os resultados apontam para a necessidade de mais estudos longitudinais e ensaios clínicos que avaliem o efeito de intervenções alimentares a longo prazo sobre a função cognitiva e o risco de demência.

Fonte: https://doi.org/10.1016/j.eclinm.2025.103333

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