Os aditivos alimentares, antes considerados inofensivos e úteis para aumentar a durabilidade, textura e aparência dos alimentos industrializados, estão agora no centro de um importante debate científico. Um artigo publicado no The FASEB Journal em 2025, por pesquisadores da Universidade McMaster, no Canadá, traz uma revisão abrangente sobre os potenciais efeitos prejudiciais desses compostos na saúde intestinal, com foco especial em inflamação intestinal, desequilíbrios da microbiota e deterioração da barreira mucosa.
A barreira intestinal: mais do que apenas digestão
O trato gastrointestinal é responsável não apenas pela digestão e absorção de nutrientes, mas também desempenha um papel fundamental na defesa contra substâncias estranhas, como toxinas, alérgenos e microrganismos. A integridade dessa barreira depende do epitélio intestinal, do muco protetor e da interação com uma microbiota saudável. Quando essa estrutura é afetada por fatores externos, como os aditivos alimentares, podem surgir inflamações crônicas e doenças intestinais, como a Doença de Crohn e a Retocolite Ulcerativa.
O papel da dieta e o impacto dos alimentos ultraprocessados
Estudos recentes vêm associando a alta ingestão de alimentos ultraprocessados com o aumento do risco de doenças inflamatórias intestinais (DII). Esses alimentos frequentemente contêm emulsificantes, corantes, adoçantes artificiais e conservantes antimicrobianos que, segundo os autores do estudo, podem interferir negativamente na homeostase intestinal. Esses compostos são utilizados amplamente, mas carecem de benefícios nutricionais e, conforme as novas evidências, podem alterar profundamente o ecossistema intestinal.
Corantes artificiais: inflamação, disbiose e danos genéticos
Corantes como Allura Red (E129), Tartrazina (E102) e Sunset Yellow (E110) foram associados ao aumento de inflamação intestinal em modelos animais. O Allura Red, por exemplo, induziu inflamação mesmo em animais saudáveis e agravou quadros de colite. Esse efeito foi mediado tanto por alterações na microbiota quanto pelo aumento da serotonina colônica, com impacto direto na barreira epitelial.
Além disso, o Allura Red e o Sunset Yellow foram metabolizados por bactérias intestinais (como Bacteroides ovatus e Enterococcus faecalis), gerando substâncias inflamatórias. Também foram observados danos ao DNA e aumento de espécies reativas de oxigênio no fígado e rins.
Adoçantes artificiais: risco metabólico e inflamação intestinal
Adoçantes como sacarina, sucralose e aspartame, frequentemente presentes em bebidas e produtos “diet”, foram ligados à intolerância à glicose e à disbiose intestinal. A sucralose, especificamente, agravou a colite induzida em camundongos, além de ter sido associada ao aumento de tumores intestinais. A sacarina também demonstrou prejudicar a função da barreira intestinal ao ativar vias inflamatórias celulares (NF-κB).
Apesar de alguns estudos em humanos ainda serem inconclusivos, os dados acumulados em modelos animais levantam preocupações sobre o uso contínuo desses compostos.
Emulsificantes e espessantes: colite e alterações na microbiota
Emulsificantes como carboximetilcelulose (CMC) e polisorbato-80 (P80) foram associados à inflamação de baixo grau e ao agravamento de colite em modelos animais. Em camundongos predispostos geneticamente, esses compostos também promoveram alterações metabólicas e tumorais. Além disso, um ensaio clínico randomizado demonstrou que a ingestão de CMC por apenas duas semanas reduziu a diversidade microbiana e alterou o metabolismo intestinal em humanos saudáveis.
Outros agentes como maltodextrina e carragena também se mostraram capazes de danificar a barreira de muco intestinal, estimular o estresse do retículo endoplasmático e favorecer bactérias degradadoras de muco, ampliando a suscetibilidade à inflamação.
Conservantes antimicrobianos: perturbação da microbiota
Conservantes como benzoato de sódio, nitrito de sódio e sorbato de potássio alteraram significativamente a composição da microbiota em modelos animais, favorecendo o crescimento de bactérias do filo Proteobacteria e reduzindo Clostridiales, importantes para a saúde intestinal. Outros estudos demonstraram que sulfito e bissulfito de sódio inibem o crescimento de bactérias benéficas como Lactobacillus.
A exposição a nanopartículas de prata (usadas como conservantes) também foi associada a alterações no sistema imunológico intestinal, embora não tenha sido observada toxicidade direta em curto prazo.
Lacunas regulatórias e necessidade de revisão das políticas de segurança alimentar
Atualmente, muitos desses aditivos são classificados como “geralmente reconhecidos como seguros” (GRAS) por órgãos reguladores como a FDA, EFSA e Health Canada. No entanto, a avaliação de segurança desses compostos baseia-se, em grande parte, em dados desatualizados ou em limites de ingestão pouco realistas para consumidores de dietas ocidentais comuns.
O estudo propõe que novas regulamentações sejam consideradas, incluindo:
- Divulgação da quantidade exata de aditivos nos rótulos dos produtos.
- Reavaliação de limites de ingestão diária à luz das novas evidências.
- Estudos clínicos em humanos com métodos modernos de detecção (como espectrometria de massa).
Conclusão
Apesar de os dados atuais serem majoritariamente derivados de modelos animais, os autores alertam que os efeitos cumulativos do consumo contínuo de aditivos alimentares devem ser levados a sério, especialmente diante do crescimento mundial das doenças inflamatórias intestinais. A ausência de benefícios nutricionais, aliada a evidências crescentes de riscos à integridade intestinal, justifica medidas preventivas tanto no âmbito individual quanto regulatório.
O avanço do conhecimento nessa área poderá permitir decisões mais conscientes por parte da população e estratégias de saúde pública mais eficazes na prevenção de distúrbios gastrointestinais associados à alimentação moderna.
