O interesse pelo papel da suplementação nutricional durante a gravidez vem crescendo significativamente, à medida que mais evidências científicas apontam os efeitos que nutrientes específicos podem ter sobre a saúde materno-fetal. A creatina monohidratada (CrM), um suplemento amplamente utilizado no esporte devido ao seu potencial ergogênico, começou a atrair atenção também no contexto gestacional. Dados pré-clínicos sugerem que a creatina pode desempenhar um papel importante na proteção do feto e da mãe durante períodos de hipóxia (baixo oxigênio), um cenário potencialmente comum em complicações obstétricas. No entanto, até recentemente, sua segurança e eficácia durante a gravidez humana não haviam sido estudadas.
Foi justamente para preencher essa lacuna que um grupo de pesquisadores australianos, liderados por Madison Naidu e colaboradores, realizou o estudo "Open label, dose escalation trial of creatine monohydrate in pregnancy", publicado em 2025 no Journal of the International Society of Sports Nutrition. Este ensaio clínico de fase inicial teve como objetivo entender como a creatina monohidratada se comporta no organismo de gestantes no terceiro trimestre e identificar um regime de dose capaz de alcançar níveis plasmáticos estáveis de creatina com segurança.
A pesquisa foi dividida em duas etapas bem definidas:
Etapa 1: avaliação farmacocinética inicial
Nesta fase, mulheres saudáveis — não grávidas (n=8) e grávidas no terceiro trimestre (n=7) — receberam uma única dose de 5g de CrM. As concentrações de creatina no sangue foram medidas ao longo de 10 horas após a ingestão para identificar os valores máximos atingidos e o tempo necessário para alcançá-los. As análises mostraram que o comportamento farmacocinético da creatina — ou seja, sua absorção, distribuição e eliminação — foi semelhante entre gestantes e mulheres não grávidas, sugerindo que a gravidez no terceiro trimestre não altera significativamente a forma como a substância é metabolizada.
Para complementar essas informações, os pesquisadores aplicaram modelagens farmacocinéticas e simulações de Monte Carlo, uma técnica estatística que permite prever como diferentes regimes de dose poderiam influenciar os níveis sanguíneos de creatina. Os resultados indicaram que um esquema de administração de 5g de CrM 3 a 4 vezes ao dia seria suficiente para atingir concentrações plasmáticas de aproximadamente 50mg/L em 72 horas. Outro esquema eficaz seria a administração de 10g a cada 12 horas.
Etapa 2: avaliação de acúmulo e tolerabilidade
A segunda fase envolveu um grupo diferente de gestantes (n=8), que recebeu múltiplas doses de 5g de CrM a cada 8 horas por três dias consecutivos. Neste período, as concentrações plasmáticas foram medidas antes e uma hora após a primeira dose no primeiro dia, e novamente antes e uma hora após a última dose no terceiro dia. O objetivo era verificar se haveria acúmulo excessivo da substância no organismo.
Além de medir os níveis de creatina, o estudo acompanhou atentamente a segurança materna e fetal, monitorando possíveis efeitos adversos. Importante destacar que não foram registrados eventos adversos significativos ou efeitos colaterais importantes durante o período da suplementação, reforçando o perfil de segurança da creatina neste contexto experimental.
Conclusões e implicações
Os dados obtidos apontam que, pelo menos no contexto farmacocinético de curto prazo, a administração de creatina monohidratada na gravidez é bem tolerada e não difere substancialmente da resposta observada em mulheres não grávidas. As doses estudadas — equivalentes às tradicionalmente usadas em estudos ergogênicos — foram capazes de alcançar níveis plasmáticos estáveis sem sinais imediatos de toxicidade.
Contudo, os autores ressaltam a necessidade de ampliar os estudos antes que recomendações clínicas possam ser feitas, especialmente no que diz respeito a efeitos de longo prazo na saúde materna e no desenvolvimento fetal. Este estudo pioneiro estabelece uma base importante para futuras pesquisas que buscarão avaliar não apenas a farmacocinética, mas também os potenciais benefícios clínicos da creatina como estratégia terapêutica em situações de risco gestacional, como restrição de crescimento intrauterino e pré-eclâmpsia.
Em síntese, esta investigação abre novas possibilidades para o uso seguro e eficaz de um suplemento que até então era associado quase exclusivamente ao desempenho esportivo, agora também sendo estudado como um potencial aliado na proteção da saúde durante a gestação.
