Consumo de Carne Vermelha, Ferro e Risco Cardiometabólico em Adultos no Catar: O Que Revela a Ciência?


A relação entre o consumo de carne vermelha e a saúde tem sido alvo de intensos debates. Enquanto parte da literatura associa o consumo excessivo desse alimento ao aumento do risco cardiovascular, outros estudos destacam seu papel fundamental no fornecimento de ferro biodisponível, especialmente para populações vulneráveis à deficiência. Um estudo transversal conduzido com 13.778 adultos catarianos, publicado na revista Foods, buscou esclarecer essas associações no contexto de uma população com alta ingestão de carne vermelha.

Contexto do Estudo

A carne vermelha é a principal fonte de ferro heme, a forma mais biodisponível do mineral. No Catar, onde o consumo desse alimento é culturalmente elevado — especialmente carne de cordeiro —, compreender seus efeitos sobre o perfil de ferro e a saúde metabólica torna-se essencial para a formulação de diretrizes dietéticas adequadas.

Para isso, os pesquisadores analisaram dados do Qatar Biobank, um banco nacional que reúne informações clínicas, laboratoriais e alimentares de residentes do país. Os participantes foram categorizados em três grupos de consumo de carne vermelha:

  • Baixo: até 1 vez por mês
  • Moderado: 2 a 4 vezes por mês
  • Alto: 5 ou mais vezes por mês

Impacto no Perfil de Ferro

Os achados mais consistentes referem-se ao nível de ferritina, um marcador confiável das reservas corporais de ferro. O estudo revelou que:

  • Participantes com alto consumo de carne vermelha apresentaram aumento significativo na ferritina (coeficiente = 134,685; p < 0,001).
  • O nível de hemoglobina também foi discretamente mais elevado neste grupo (coeficiente = 0,918; p = 0,017).
  • Já os níveis de ferro sérico e a capacidade total de ligação do ferro (TIBC) não mostraram variações significativas associadas ao consumo de carne.

Curiosamente, os níveis de hemoglobina foram consistentemente mais altos entre os homens, independentemente da frequência de ingestão, refletindo as diferenças fisiológicas de sexo. Nas mulheres, observou-se um declínio na ferritina com o avanço da idade, mesmo com ingestão elevada de carne, o que pode refletir mudanças hormonais associadas à menopausa.

Perfil Metabólico e Lipídico

O estudo também investigou marcadores relacionados ao risco cardiovascular:

  • Em homens com alto consumo de carne, os níveis de colesterol total e LDL-colesterol foram ligeiramente mais elevados em comparação às mulheres.
  • A glicemia, triglicerídeos e insulina não variaram significativamente entre os grupos de consumo.
  • O nível de proteína C reativa (PCR), marcador inflamatório que pode interferir na interpretação da ferritina, também não mostrou diferença significativa.

Esses resultados sugerem que, no contexto desse estudo, o consumo moderado de carne vermelha não está associado a aumento de marcadores inflamatórios ou de risco cardiometabólico significativo, embora o aumento do colesterol em homens com alto consumo deva ser monitorado.

Suplementação e Interações Nutricionais

Outro ponto importante foi o impacto da suplementação de ferro e vitamina C. Entre os usuários desses suplementos:

  • A ferritina foi levemente maior.
  • A hemoglobina, paradoxalmente, foi mais baixa — sugerindo que essas pessoas já apresentavam deficiência anterior.
  • A vitamina C teve papel positivo na absorção de ferro, como esperado, mas seu impacto foi pequeno em comparação ao da carne vermelha.

Conclusões e Implicações Práticas

Este estudo indica que o consumo de carne vermelha pode ser uma estratégia segura e eficaz para melhorar o status de ferro, sobretudo entre mulheres, sem comprometer o perfil metabólico.

Importante destacar que os dados se referem ao consumo de carne vermelha não processada, sem distinção entre cortes magros ou gordurosos.

Limitações

Por ser um estudo transversal, os dados não permitem inferir causalidade. Além disso, não foi possível avaliar a influência do tamanho das porções, do tipo de preparo da carne (grelhado, frito, cozido) ou da associação com outros alimentos da dieta. Ainda assim, o uso de biomarcadores objetivos e a grande amostra tornam os achados relevantes para contextos culturais semelhantes.

Este estudo contribui para um debate mais equilibrado sobre o papel da carne vermelha na dieta, destacando seus benefícios na prevenção da deficiência de ferro e a necessidade de abordagens diferenciadas entre homens e mulheres. Em populações com risco elevado de anemia, sua inclusão moderada e planejada pode representar um aliado importante na saúde pública.

Fonte: https://doi.org/10.3390/foods14122134

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