Como a composição da dieta influencia o risco de câncer, mesmo com poucas calorias (1945)


Durante a década de 1940, o Dr. Albert Tannenbaum conduziu uma série de experimentos pioneiros que ajudaram a moldar a compreensão científica sobre a relação entre dieta e câncer. O estudo publicado em 1945 no periódico Cancer Research é um dos marcos nessa trajetória, pois investigou sistematicamente como diferentes tipos de restrição calórica — e não apenas a quantidade total de calorias — influenciam a formação de tumores em camundongos.

Contexto e objetivo do estudo

Já era conhecido que a redução na ingestão calórica poderia inibir o desenvolvimento de tumores em roedores. No entanto, persistia uma dúvida importante: todos os tipos de restrição calórica produzem o mesmo efeito? Ou a composição da dieta restrita (por exemplo, mais gordura, menos carboidrato ou proteína) poderia modificar os resultados?

Para responder a essas questões, o Dr. Tannenbaum estruturou quatro experimentos utilizando diferentes linhagens de camundongos, testando tumores espontâneos e induzidos, e manipulando não apenas o total de calorias, mas também a origem dessas calorias.

Principais intervenções dietéticas testadas

Os camundongos foram alimentados com variações específicas das dietas experimentais, que podiam ser:

  1. Restritas apenas em carboidrato (restrição calórica per se).
  2. Restritas em todos os componentes (carboidratos, proteínas, vitaminas e minerais).
  3. Restritas em todos os componentes com alto teor de gordura (por substituição calórica do amido por gordura hidrogenada).

Apesar de todas essas dietas fornecerem níveis calóricos semelhantes, os efeitos na formação de tumores foram nitidamente distintos.

Tipo de gordura utilizado: óleo vegetal industrial

Nos grupos de dieta com alto teor de gordura, a fonte de lipídios foi óleo de algodão parcialmente hidrogenado, comercializado com o nome Kremit, fornecido pela empresa Armour & Co.

Esse tipo de gordura, hoje amplamente reconhecido como tecnicamente processado e artificial, é composto majoritariamente por ácidos graxos saturados e trans. Esses ácidos graxos não ocorrem naturalmente nos tecidos animais e são produzidos industrialmente pelo processo de hidrogenação parcial, que visa solidificar o óleo vegetal e prolongar sua vida útil.

Ao contrário das gorduras naturais de origem animal (como sebo, banha, manteiga e gordura da carne), que contêm proporções fisiológicas de ácidos graxos saturados e monoinsaturados, além de micronutrientes lipossolúveis (como vitaminas A, D, E e K2), os óleos hidrogenados como o Kremit não fornecem nutrientes essenciais e são proinflamatórios, conforme demonstrado por diversos estudos modernos.

Evidências contemporâneas sobre os riscos dos óleos hidrogenados

Pesquisas publicadas nas últimas décadas associam o consumo de ácidos graxos trans industriais — como os presentes em óleos parcialmente hidrogenados — com:

  • Maior risco de doença cardiovascular (Mozaffarian et al., New England Journal of Medicine, 2006).
  • Resistência à insulina e aumento da adiposidade visceral.
  • Disfunção endotelial e elevação de marcadores inflamatórios como PCR.
  • Potencial papel promotor de tumores, por afetar a fluidez das membranas celulares, a expressão de genes inflamatórios e a resposta imune.

Esses efeitos negativos são independentes do conteúdo calórico, o que reforça a conclusão experimental de Tannenbaum: o tipo de gordura na dieta tem impacto direto na formação de tumores, mesmo quando as calorias totais são controladas.

Resultados mais relevantes do estudo de 1945

1. Restrição calórica inibe formação de tumores

Em todos os experimentos, a redução da ingestão calórica levou a uma menor incidência de tumores — tanto espontâneos (como os mamários em fêmeas DBA ou C3H) quanto induzidos (com aplicação de agentes carcinogênicos como benzopireno ou metilcolantreno).

2. A composição da dieta importa

Mesmo com ingestão calórica semelhante, as dietas com alto teor de gordura (rica em Kremit) produziram mais tumores do que suas contrapartes com baixo teor de gordura. Por exemplo, em camundongos C3H machos, 35% dos animais do grupo de dieta ad libitum rica em gordura (i140) desenvolveram hepatomas, comparados a apenas 9% no grupo com dieta ad libitum pobre em gordura (i40).

3. Restrição apenas de carboidratos foi mais protetora

As dietas restritas apenas em carboidratos (com manutenção de proteínas e micronutrientes) foram mais eficazes na inibição de tumores do que dietas igualmente calóricas, mas que restringiam também os componentes essenciais.

4. O fator "gordura" intensifica a formação tumoral independentemente das calorias

Em todos os níveis calóricos testados, a presença de gordura hidrogenada aumentou a taxa de tumores. Mesmo sob dieta restrita, os grupos que consumiam mais gordura formaram tantos ou mais tumores do que os grupos controle que comiam ad libitum. Isso evidencia um efeito cocarcinogênico específico da gordura utilizada, e não apenas um efeito calórico geral.

Considerações finais

Este estudo, mesmo com as limitações técnicas da época, fornece uma base experimental robusta para conclusões que continuam sendo validadas por pesquisas modernas: a composição da dieta, especialmente o tipo de gordura, tem impacto direto sobre a carcinogênese.

Além disso, evidencia a distinção crítica entre diferentes fontes de gordura: enquanto gorduras naturais de origem animal podem ser compatíveis com boa saúde metabólica e até protetoras, gorduras industrializadas e hidrogenadas apresentam riscos reconhecidos, inclusive em relação ao câncer.

Do ponto de vista histórico, Tannenbaum foi um dos primeiros a demonstrar, por meio de experimentação rigorosa, que a qualidade dos nutrientes ingeridos é tão importante quanto sua quantidade — uma lição que permanece atual no debate sobre alimentação e saúde pública.

Fonte: https://doi.org/10.1016/S0899-9007(96)00179-7

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