Porfiria e dieta: o que dizem as evidências sobre jejum, carboidratos e segurança alimentar


*Este artigo tem caráter exclusivamente informativo e não deve ser considerado aconselhamento médico. Para orientações específicas, consulte um profissional de saúde qualificado.

As porfírias representam um grupo de distúrbios metabólicos raros caracterizados por defeitos na síntese do heme, particularmente nos eritrócitos e fígado. Durante décadas, o tratamento padrão incluía necessariamente a administração de carboidratos para suprimir a atividade da enzima ALAS1 (delta-aminolevulinato sintase 1). Contudo, os avanços científicos recentes trouxeram alternativas terapêuticas eficazes que eliminam essa dependência de modificações dietéticas baseadas em carboidratos.

Fundamentos Científicos da Porfiria e Carboidratos

Mecanismo Tradicional

As porfírias agudas podem ser agravadas pelo jejum prolongado ou dietas restritivas severas, porque nessas formas de porfiria, glicose e outros carboidratos ajudam a reprimir a atividade da ALAS1 hepática, a primeira enzima da via de síntese do heme. O efeito da dieta na porfiria experimental era conhecido mesmo antes da base bioquímica da porfiria ser descoberta. Em 1961, Rose et al. observaram que a administração de carboidratos reduzia a excreção urinária de PBG em um modelo murino de porfiria.

Limitações do Tratamento Convencional

Embora um estudo de revisão tenha sugerido que não há evidência clara sobre o benefício de uma dieta sustentada rica em carboidratos, e que essa estratégia dietética pode não prevenir ataques de Porfiria intermitente aguda (PIA). Além disso, pessoas que consomem carboidratos em excesso na esperança de prevenir um ataque agudo estão arriscando obesidade sem benefício comprovado para sua porfiria.

Evidências sobre Evitar Jejum e Dietas Restritivas

Recomendações Baseadas em Evidências

O jejum normal que ocorre entre as refeições e durante a noite não é um problema, mas um jejum prolongado (maior que 24 horas) é arriscado. Alguns ataques agudos ocorreram pela primeira vez em pessoas que foram submetidas à cirurgia e ficaram em jejum por vários dias.

É recomendado que pessoas com porfiria aguda evitem dietas com baixo carboidrato, jejum prolongado e dietas restritivas, porque estas podem desencadear ataques. Quando a Dieta Atkins tornou-se popular, muitos pacientes com porfiria que aderiram a essa dieta ficaram doentes. Logo ficou aparente que sua contagem diária de carboidratos severamente reduzida exacerbou sua porfiria.

Evidência Experimental

A descoberta revela por que a administração de glicose é útil, já que a glicose pode retornar os níveis de PGC-1α ao normal. Esta descoberta pode levar a novos tratamentos que permitam aos pacientes regular seu peso através da dieta sem medo de episódios agudos.

Novos Tratamentos que Não Requerem Carboidratos

Heme Arginato: Avanço Terapêutico Significativo

Embora ataques leves às vezes respondam à administração de glicose, ataques graves ou sintomas que podem progredir devem ser tratados com heme. O heme arginato é preferível à hematina no tratamento de porfírias agudas devido à sua melhor estabilidade, menos efeitos colaterais e melhor documentação de seus benefícios.

Ataques leves podem ser resolvidos com tratamento de suporte. Ataques graves devem ser tratados com hemina intravenosa. O carboidrato é obsoleto no tratamento de um ataque agudo de porfiria, exceto em situações onde a hemina não está prontamente disponível.

Protocolo de Administração

A dose recomendada é de 3 mg/kg de peso corporal até 250 mg administrados em cada um dos quatro dias consecutivos. Frequentemente é conveniente usar uma dose de 250 mg para adultos, independentemente do peso.

Tratamento Profilático

Pacientes recebendo tratamento semanal com heme arginato demonstraram uma resposta clínica duradoura na eficácia clínica, através de uma ampla gama de parâmetros clínicos. Em um estudo taiwanês, a taxa anual de ataques foi reduzida de 11,82 para 2,23 com infusões semanais de heme arginato.

Givosiran: Revolução da Terapia com RNA de Interferência

Mecanismo Inovador

Givosiran é um RNA de interferência terapêutico que visa especificamente o RNA mensageiro da ALAS1 hepática, conjugado a um ligante N-acetilgalactosamina trivalente, que se liga especificamente ao receptor de asialoglicoproteína, permitindo entrega direcionada aos hepatócitos.

Eficácia Clínica Comprovada

No estudo de fase 3 ENVISION, pacientes que receberam givosiran tiveram uma taxa significativamente menor de ataques de porfiria em comparação com placebo. Pacientes com porfiria intermitente aguda que receberam givosiran tiveram uma redução de 70% na taxa de ataques.

O número anualizado de doses de hemina administradas durante o período de intervenção foi reduzido em 64% do período de adaptação entre os pacientes que receberam givosiran, comparado com uma redução de 34% entre os pacientes que receberam placebo.

Administração e Segurança

Givosiran oferece a conveniência de administração subcutânea mensal. A evidência disponível indica que givosiran é uma importante opção terapêutica mais recente para pacientes com porfiria hepática aguda e ataques recorrentes graves.

Os efeitos adversos mais comuns incluíram reações no local da injeção, náusea e fadiga. Eventos adversos hepáticos e renais foram relatados em 17% dos pacientes cada durante o tratamento com givosiran.

Prevalência de Portadores Genéticos e Risco de Precipitação

Dados Epidemiológicos

A prevalência de mutações HMBS foi estimada em 1 em aproximadamente 1.700 caucasianos, usando amostras de bancos de sangue ou grandes bases de dados populacionais de exoma/genoma. Em contraste, a prevalência de pacientes sintomáticos com PIA foi estimada em 1 em aproximadamente 200.000 caucasianos. Juntos, estes estudos indicam que a penetrância da PIA é estimada em apenas aproximadamente 1% dos heterozigotos HMBS.

Risco em Portadores Não Diagnosticados

O cumprimento do plano Atkins precipitou ataques em alguns indivíduos previamente não diagnosticados e não sintomáticos. Levanta-se a hipótese de que a dieta com baixo carboidrato pode ter levado aos ataques de PIA em um paciente transplantado renal.

Entre pacientes que são heterozigotos, as porfírias agudas raramente são expressas clinicamente antes da puberdade; após a puberdade, são expressas em apenas cerca de 2 a 4%.

Considerações sobre Dietas Restritivas em Pessoas sem Porfiria

Distinção Fundamental

Com base nas evidências científicas disponíveis, dietas de baixo carboidrato e jejuns não causam porfiria em pessoas geneticamente normais. Embora as deficiências enzimáticas nas porfírias hepáticas agudas sejam geralmente hereditárias, as deficiências enzimáticas por si só não causam a doença. Fatores adicionais que levam a uma deficiência crítica no pool regulatório de heme dentro dos hepatócitos determinam as manifestações da doença.

Risco para Portadores Silenciosos

A PIA é caracterizada por ataques agudos que podem ser desencadeados por fatores endógenos ou exógenos, como dieta com baixo carboidrato ou jejum, que regulam positivamente a expressão da ALAS1. Considerando que a penetrância de todas as porfírias tem sido extremamente baixa, existe um número significativo de portadores genéticos assintomáticos na população.

Implicações Clínicas e Perspectivas Futuras

Liberdade Dietética com Novos Tratamentos

O tratamento com heme arginato é agora considerado; o uso de carboidratos no tratamento de ataques agudos de porfiria é obsoleto, exceto em situações onde a hemina não está prontamente disponível. Isso oferece aos pacientes maior flexibilidade dietética e melhora na qualidade de vida.

Monitoramento e Segurança

Poucos efeitos colaterais foram relatados para o uso de curto prazo do Normosang®. O efeito colateral mais comum é tromboflebite quando a droga é administrada através de um cateter periférico. Para o givosiran, a função renal deve ser monitorizada durante o tratamento com givosiran.

Perspectivas de Acesso

Givosiran está sob revisão na União Europeia para comercialização, onde também possui designações de medicamento órfão e medicamentos prioritários (PRIME). Estudos de extensão a longo prazo continuam avaliando a segurança e eficácia destas terapias ao longo de anos de tratamento.

Considerações sobre Suplementação e Nutrição

Abordagem Nutricional Equilibrada

Geralmente, pacientes com porfiria não são obrigados a seguir uma dieta especial e as recomendações são baseadas nas diretrizes dietéticas prevalentes para a população em geral. Adequada ingestão de antioxidantes deve ser fornecida como parte de uma dieta nutritiva, além do uso de suplementos antioxidantes como abordagem benéfica para reduzir o estresse oxidativo e danos celulares.

Suplementação Específica

Suplementos de vitamina D devem ser dados a pacientes com porfiria com manifestações cutâneas. Embora a deficiência de ferro possa comprometer a síntese do heme, suplementos de ferro não são recomendados, pois seu excesso pode ser prejudicial em várias porfírias.

Conclusões Baseadas em Evidências

As evidências científicas atuais demonstram de forma inequívoca que existem tratamentos eficazes para as porfírias agudas que não requerem a adição de carboidratos à dieta. O heme arginato e o givosiran representam avanços terapêuticos significativos que oferecem controle superior dos sintomas com maior conveniência e qualidade de vida para os pacientes.

Quanto às estratégias de evitar jejum e dietas de baixo carboidrato, estas permanecem como recomendações baseadas em evidências sólidas para pacientes com porfiria diagnosticada. Para a população em geral, não há evidência de que dietas restritivas causem porfiria em pessoas geneticamente normais, mas podem precipitar a primeira manifestação da doença em portadores genéticos não diagnosticados.

Estes desenvolvimentos marcam uma transição importante do paradigma tradicional baseado em modificações dietéticas para abordagens terapêuticas direcionadas que tratam a causa molecular subjacente da doença, oferecendo esperança renovada de uma vida mais normal para pacientes com porfírias agudas.

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