O uso da soja como alimento funcional tem sido amplamente promovido com alegações de benefícios à saúde metabólica, especialmente no controle da obesidade e doenças associadas, por meio da modulação de hormônios como adiponectina e leptina. No entanto, uma revisão de 2025 publicada no British Journal of Nutrition — que reuniu todas as meta-análises disponíveis de ensaios clínicos randomizados sobre o tema — revela uma realidade menos promissora. O estudo destaca diversas fragilidades metodológicas e inconsistências nos resultados que colocam em xeque os efeitos atribuídos à soja. A seguir, os principais pontos negativos identificados na análise:
1. Ausência de efeito clínico relevante
A principal conclusão da revisão é que o consumo de soja e seus derivados não produz efeito significativo nos níveis plasmáticos de adiponectina ou leptina, dois hormônios chave na regulação do metabolismo, peso corporal e sensibilidade à insulina:
- Adiponectina: ES = 0,10 (IC 95%: −0,22 a 0,41; p = 0,55)
- Leptina: ES = −0,37 (IC 95%: −1,35 a 0,61; p = 0,46)
Esses resultados não atingem significância estatística, indicando falta de benefício metabólico mensurável, mesmo em estudos de longa duração e com diversas formas de intervenção (soja inteira, isolado proteico, isoflavonas).
2. Alto grau de heterogeneidade entre os estudos
A análise mostrou heterogeneidade moderada a alta entre os estudos incluídos (I² = 51,8% para adiponectina e 71,2% para leptina), o que compromete a confiabilidade dos resultados agregados. Isso sugere variações relevantes na metodologia, nos participantes, nas doses e nos tipos de produtos de soja utilizados.
Além disso, mesmo ao separar os estudos por idade, duração da intervenção ou tamanho da amostra, os efeitos permanecem nulos.
3. Falta de generalização geográfica
Todos os estudos incluídos na revisão foram conduzidos exclusivamente no Irã, o que levanta sérias dúvidas sobre a aplicabilidade dos resultados a outras populações, culturas alimentares e contextos de saúde pública. Isso restringe a validade externa dos achados e aumenta o risco de viés de seleção.
4. Populações específicas com resultados atípicos
A única subpopulação em que se observou algum benefício (aumento de adiponectina) foram mulheres pós-menopáusicas, em um único estudo de qualidade inferior. Essa resposta isolada pode ter sido influenciada por alterações hormonais próprias da menopausa, mas não permite extrapolação para adultos em geral, nem sustenta recomendações populacionais de consumo de soja com esse objetivo.
5. Problemas metodológicos nas revisões incluídas
Das seis meta-análises avaliadas:
- Apenas três foram classificadas como de alta qualidade metodológica.
- Uma delas foi considerada de baixa qualidade, segundo o critério AMSTAR 2.
- A maioria dos estudos recebeu nota moderada na avaliação de evidência pelo sistema NutriGrade, o que indica evidência limitada e incerta.
Essas limitações comprometem a robustez das conclusões e não sustentam alegações seguras sobre benefícios da soja em marcadores hormonais metabólicos.
6. Inconsistência entre estudos primários e secundários
Embora alguns estudos clínicos isolados tenham reportado melhora em marcadores inflamatórios ou adipocinas, os dados agregados das meta-análises não confirmam essas hipóteses mecanísticas. Isso expõe a distância entre resultados teóricos ou bioquímicos e os efeitos reais observados em humanos.
7. Impossibilidade de analisar subgrupos em leptina
Apenas dois estudos avaliaram os efeitos da soja sobre leptina, número insuficiente para permitir análises por idade, sexo ou duração. Isso representa uma importante lacuna de evidência, impedindo conclusões mais granulares sobre potenciais benefícios ou riscos.
8. Possibilidade de resultados duplicados
Como alguns ensaios clínicos foram incluídos em mais de uma meta-análise, isso pode inflar artificialmente o peso de determinados estudos, distorcendo os resultados da revisão global. Essa repetição de dados reduz a validade estatística da análise combinada.
9. Fatores confundidores não controlados
A maioria dos estudos não ajustou adequadamente para fatores como alimentação total, nível de atividade física, composição corporal, uso de medicamentos ou histórico metabólico prévio, o que compromete a interpretação dos efeitos isolados da soja.
Conclusão
Apesar da popularidade da soja como "superalimento", a melhor evidência disponível até o momento não confirma nenhum efeito benéfico claro sobre os hormônios metabólicos adiponectina e leptina em adultos. A revisão de 2025 mostra que as alegações de saúde atribuídas à soja carecem de respaldo científico robusto, especialmente quando avaliadas de forma sistemática e crítica.
Até que novos estudos multicêntricos, com maior rigor metodológico e diversidade populacional, sejam conduzidos, não é possível justificar a recomendação de soja como intervenção eficaz para melhora hormonal ou metabólica.
Fonte: https://doi.org/10.1017/S0007114525000467
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