Concentrações de vitamina B12 no sangue e funções executivas em crianças de 7 a 11 anos: o estudo GUSTO


O desenvolvimento cerebral infantil é um processo complexo que ocorre de forma mais acelerada nos primeiros anos de vida. Durante o período da "infância média" - comumente definido como idades entre 6 e 12 anos - ocorre um aumento no refinamento sináptico e na poda neural, bem como um pico no desenvolvimento do córtex pré-frontal, região essencial para as funções executivas.

As funções executivas são habilidades cognitivas fundamentais que incluem três componentes centrais: inibição, flexibilidade cognitiva e memória de trabalho. Essas capacidades são cruciais para regular a atenção, pensamentos e emoções, além de serem responsáveis pelo planejamento e organização. Todas essas funções desempenham papéis importantes no desempenho acadêmico, funcionamento social e controle emocional das crianças.

O Papel da Vitamina B12 no Desenvolvimento Neurológico

A vitamina B12 é um micronutriente essencial para o desenvolvimento do cérebro e do sistema nervoso central, pois está envolvida em processos como a mielinização dos neurônios e a sinaptogênese. Diversas revisões científicas identificaram a vitamina B12 como um dos principais micronutrientes para o desenvolvimento adequado das funções executivas, juntamente com o ferro e os ácidos graxos ômega-3.

Embora seja bem estabelecido que a suplementação de ferro e o maior consumo de ácidos graxos ômega-3 melhoram as funções executivas em crianças em idade escolar, estudos limitados examinaram o papel da vitamina B12 nas funções executivas dessa faixa etária.

O Estudo GUSTO

Pesquisadores conduziram um estudo abrangente com crianças asiáticas de 7 a 11 anos, utilizando dados do Growing Up in Singapore Towards healthy Outcomes (GUSTO), uma coorte prospectiva mãe-filho em andamento. O objetivo foi examinar as associações entre as concentrações plasmáticas de vitamina B12 e as funções executivas nessas crianças.

Metodologia

O estudo incluiu 809 crianças que participaram da visita do oitavo ano de vida. Dessas, 566 forneceram amostras de sangue para análise das concentrações plasmáticas de vitamina B12. As concentrações foram medidas aos 8 anos de idade utilizando ensaio microbiológico.

Para avaliar as funções executivas, os pesquisadores aplicaram uma bateria de testes neuropsicológicos em diferentes momentos:

  • Aos 8,5 anos: Testes NEPSY-II e Wisconsin Card Sorting Test (WCST-64)
  • Aos 10,5 anos: Testes D-KEFS e WISC-V

Além disso, foi realizada ressonância magnética funcional aos 7,5 anos para examinar a conectividade funcional entre redes neurais.

Características da Amostra

A concentração média de vitamina B12 no plasma foi de 521,84±166,80 pmol/L, com variação entre 158,59 e 1096,80 pmol/L. Importante destacar que nenhuma criança foi classificada como deficiente em vitamina B12 usando o ponto de corte de <148 pmol/L.

As crianças com concentrações mais altas de vitamina B12 tendiam a ser de etnia chinesa, suas mães tinham maior nível educacional e eram menos propensas a ter sobrepeso ou obesidade.

Principais Resultados

Associações com Funções Executivas

O estudo revelou associações significativas entre concentrações mais altas de vitamina B12 e melhor desempenho em aspectos específicos das funções executivas:

  1. Flexibilidade Cognitiva aos 8,5 anos: Concentrações mais altas de vitamina B12 foram associadas a melhor pontuação em respostas perseverativas do WCST-64 (β 3,23; IC 95%: 0,03, 6,43).

  2. Memória de Trabalho aos 10,5 anos: Concentrações mais altas de vitamina B12 foram associadas a melhor pontuação na tarefa Letter-Number-Sequencing do WISC-V (β 0,42; IC 95%: 0,04, 0,80).

Conectividade Funcional Cerebral

Uma descoberta importante foi que concentrações mais altas de vitamina B12 estavam associadas a uma menor conectividade funcional entre as Redes de Atenção Dorsal e Frontoparietal (β -0,125; EP: 0,06381; valor-t: -2,03). Esta menor conectividade entre redes está relacionada a melhor memória de trabalho e flexibilidade cognitiva.

A diminuição da conectividade funcional entre redes durante a infância é esperada devido à especialização funcional das redes cerebrais, e uma menor conectividade entre essas redes específicas tem sido associada a melhor capacidade de atenção sustentada.

Análise por Quartis

Em uma análise post-hoc examinando quartis das concentrações de vitamina B12, associações significativas foram observadas apenas para o quartil mais alto (concentrações entre 613,1-1076,6 pmol/L) em comparação ao quartil mais baixo.

Implicações e Limitações

Implicações Clínicas

Os resultados sugerem que concentrações mais altas de vitamina B12 na infância tardia podem ser benéficas para as funções executivas, mesmo na ausência de deficiência desta vitamina. Esta descoberta é particularmente relevante no contexto atual de crescente ênfase em dietas baseadas em plantas para promover a saúde planetária.

Os achados indicam que recomendações de saúde pública para adotar dietas baseadas em plantas em crianças, especialmente aquelas com poucos alimentos ricos em B12 de origem animal, podem requerer consideração cuidadosa, mesmo naquelas sem deficiência de vitamina B12.

Limitações do Estudo

Os pesquisadores reconheceram várias limitações importantes:

  1. Viés de Seleção: Os subgrupos com dados de funções executivas e conectividade funcional diferiram no perfil étnico, educação materna e aderência ao padrão alimentar saudável.

  2. Temporalidade: A sequência das avaliações impediu a realização de análise de mediação para confirmar que a associação positiva entre vitamina B12 e funções executivas ocorreu através da melhoria da conectividade funcional.

  3. Fatores Confundidores: Podem existir outros fatores não considerados que influenciam o neurodesenvolvimento das crianças.

  4. Causalidade: Como todo estudo observacional, os achados sugerem apenas uma possível associação, não causalidade.

Conclusões

Este estudo forneceu evidências de uma influência benéfica da vitamina B12 na flexibilidade cognitiva e memória de trabalho em uma coorte multiétnica asiática de crianças de 7 a 11 anos sem deficiência de vitamina B12. Os resultados sugerem que concentrações mais altas de vitamina durante o período da infância média, mesmo na ausência de deficiência, podem ser importantes para as funções executivas em crianças.

No entanto, os pesquisadores enfatizam que esses achados requerem confirmação em outros estudos utilizando testes de funções executivas similares para comparabilidade direta, bem como medições prospectivas e longitudinais das redes funcionais cerebrais antes que recomendações ou intervenções possam ser feitas.

O estudo contribui para o entendimento crescente de como a nutrição influencia o desenvolvimento cognitivo durante a infância média, um período crítico para o desenvolvimento das funções executivas que são fundamentais para o sucesso acadêmico e social das crianças.

Fonte: https://doi.org/10.1007/s00394-025-03735-5

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