Uma Grande Análise Questiona as Diretrizes Tradicionais sobre Gorduras
Por décadas, as recomendações nutricionais têm enfatizado a redução do consumo de gorduras saturadas e o aumento da ingestão de ácidos graxos poli-insaturados para prevenir doenças cardiovasculares. No entanto, uma ampla revisão sistemática e meta-análise publicada nos Annals of Internal Medicine trouxe evidências que desafiam essa abordagem tradicional.
O Que Foi Analisado
Os pesquisadores conduziram uma análise abrangente de dados provenientes de múltiplos tipos de estudos científicos. A pesquisa examinou três aspectos fundamentais relacionados aos ácidos graxos e o risco de doença coronariana:
Estudos Observacionais Prospectivos
A análise incluiu 32 estudos observacionais que acompanharam mais de 530.000 participantes ao longo do tempo. Estes estudos avaliaram a ingestão dietética de diferentes tipos de ácidos graxos através de questionários alimentares e registros dietéticos detalhados.
Estudos de Biomarcadores
Foram analisados 19 estudos prospectivos envolvendo mais de 32.000 participantes, que mediram os níveis circulantes de ácidos graxos no sangue. Esta abordagem oferece uma medida mais objetiva da composição de ácidos graxos no organismo, eliminando os vieses comuns dos relatos alimentares autodeclarados.
Ensaios Clínicos Randomizados
A revisão incluiu 27 ensaios clínicos controlados com mais de 103.000 participantes, que testaram diretamente os efeitos da suplementação com diferentes tipos de ácidos graxos na prevenção de eventos coronarianos.
Principais Descobertas
Ácidos Graxos Saturados: Não Há Evidência Clara de Risco
Contrariando as recomendações convencionais, a análise não encontrou associações estatisticamente significativas entre o consumo de ácidos graxos saturados totais e o risco de doença coronariana. Os estudos observacionais mostraram um risco relativo de 1,02, indicando essencialmente nenhuma associação entre gorduras saturadas e problemas cardíacos.
Ácidos Graxos Monoinsaturados: Resultados Inconsistentes
Os ácidos graxos monoinsaturados, frequentemente promovidos como benéficos (encontrados no azeite de oliva, por exemplo), também não demonstraram uma associação clara com a redução do risco coronariano nos estudos analisados.
Ácidos Graxos Poli-insaturados: Benefícios Limitados
Mesmo os ácidos graxos poli-insaturados, tradicionalmente considerados protetores, mostraram apenas associações modestas com a redução do risco. Os ácidos graxos ômega-3 de cadeia longa apresentaram um risco relativo de 0,93, representando uma redução de risco de apenas 7%.
Ácidos Graxos Trans: Confirmação do Risco
Os únicos ácidos graxos que mostraram uma associação consistente com o aumento do risco coronariano foram os ácidos graxos trans, com um risco relativo de 1,16, confirmando as preocupações já estabelecidas sobre estes compostos.
Análise dos Ensaios Clínicos
Os ensaios clínicos randomizados, considerados o padrão-ouro da evidência científica, forneceram resultados ainda mais surpreendentes. A suplementação com ácidos graxos poli-insaturados não reduziu significativamente o risco de eventos coronarianos:
- Ácido α-linolênico: Risco relativo de 0,97 (redução de apenas 3%)
- Ácidos graxos ômega-3 de cadeia longa: Risco relativo de 0,94 (redução de 6%)
- Ácidos graxos ômega-6: Risco relativo de 0,89 (redução de 11%)
Embora alguns destes resultados sugiram uma tendência para benefício, as diferenças não foram estatisticamente significativas na maioria dos casos.
Implicações para a Prática Clínica
Questionamento das Diretrizes Atuais
Os resultados desta meta-análise questionam fundamentalmente as diretrizes nutricionais que recomendam a substituição de gorduras saturadas por gorduras poli-insaturadas como estratégia primária de prevenção cardiovascular.
Foco em Padrões Alimentares Globais
A evidência sugere que, em vez de focar em nutrientes isolados, pode ser mais eficaz considerar padrões alimentares globais e outros fatores de risco cardiovascular, como atividade física, controle da pressão arterial e cessação do tabagismo.
Necessidade de Mais Pesquisas
Os autores enfatizam que são necessários mais ensaios clínicos robustos, especialmente estudos de longo prazo que avaliem populações inicialmente saudáveis, para esclarecer definitivamente o papel dos diferentes tipos de ácidos graxos na prevenção cardiovascular.
Limitações e Considerações
É importante reconhecer que esta análise apresenta algumas limitações. Os estudos observacionais podem conter vieses relacionados a outros fatores do estilo de vida não controlados. Além disso, a qualidade da medição da ingestão de ácidos graxos varia entre os estudos, e muitos ensaios clínicos tiveram duração relativamente curta para detectar efeitos cardiovasculares de longo prazo.
Perspectiva Futura
Esta pesquisa representa um marco importante na compreensão da relação entre ácidos graxos e saúde cardiovascular. Embora não forneça respostas definitivas, ela destaca a necessidade de uma abordagem mais nuançada às recomendações nutricionais, baseada em evidências robustas em vez de pressupostos tradicionais.
A comunidade científica continuará a investigar estas questões complexas, e futuras pesquisas provavelmente fornecerão orientações mais precisas sobre o papel específico de diferentes tipos de gorduras na prevenção de doenças cardiovasculares.
Fonte: https://doi.org/10.7326/M13-1788
*Disponível completo na newsletter