A Dieta do Açúcar Funciona — Mas Não Pelos Motivos que Você Imagina


Nas últimas semanas, um fenômeno nutricional inusitado tem ganhado atenção: pessoas consumindo quantidades elevadíssimas de açúcar — até 800 gramas por dia — estão relatando perda de peso, melhora na disposição e desempenho físico. Embora pareça uma contradição completa ao que a ciência da nutrição tradicional prega, um novo estudo publicado na Nature Metabolism oferece pistas sobre por que esse padrão alimentar, mesmo que altamente questionável, pode gerar perda de peso em curto prazo. No entanto, as conclusões vão muito além do açúcar — e é aqui que a interpretação correta dos dados se torna essencial.

A Dieta do Açúcar: Muito Carboidrato, Pouca Proteína e Gordura

Popularizada por influenciadores como Mark Bell, a chamada "dieta do açúcar" é baseada em uma composição alimentar de altíssimo carboidrato (principalmente açúcares simples), restrição severa de proteína e gordura. Um exemplo citado é o consumo diário de cerca de 100g de proteína, menos de 30g de gordura e até 800g de carboidratos — o que representa mais de 3.800 calorias, das quais 83% vêm de carboidratos.

Apesar do perfil nutricional desequilibrado, relatos anedóticos indicam perda de peso e aumento da energia. Isso motivou o médico e pesquisador Nick Norwitz (MD, PhD) a investigar o fenômeno com base em evidências experimentais robustas.

A Chave: Restrição de Proteína, Não o Açúcar

O estudo de referência, publicado em Nature Metabolism, testou os efeitos metabólicos de uma dieta com apenas 9% de proteína e 70% de carboidratos. Os participantes, homens jovens e saudáveis com IMC médio de 25 kg/m², foram acompanhados por cinco semanas. Durante esse período, mesmo com aumento médio de 574 kcal/dia para manter o peso corporal, os indivíduos ainda perderam cerca de 1 kg — sem mudanças na massa muscular ou nível de atividade física.

Mais adiante, uma terceira fase do estudo comparou o mesmo nível de restrição proteica (9%) com uma dieta rica em gordura (50%) e menor teor de carboidratos (41%). Resultado? Os efeitos foram semelhantes. Aumentos no gasto energético de 21% ocorreram novamente, com os participantes mantendo o peso apenas com elevação significativa da ingestão calórica.

Conclusão: o fator determinante não era a alta ingestão de carboidrato, mas sim a baixa ingestão de proteína.

O Papel do FGF-21: Um Hormônio Chave

Os autores do estudo identificaram um possível mecanismo: elevações significativas do hormônio fibroblast growth factor 21 (FGF-21). Os níveis desse hormônio aumentaram até 361% após as refeições com baixo teor de proteína — independentemente de o restante das calorias ser proveniente de carboidratos ou gorduras.

O FGF-21 está associado a mudanças metabólicas significativas nos adipócitos (células de gordura), promovendo:

  • Aumento de proteínas mitocondriais envolvidas na cadeia respiratória (complexos I, III e IV);
  • Redução da eficiência na produção de ATP, o que sugere desacoplamento mitocondrial.

Esse desacoplamento torna o processo de geração de energia menos eficiente, obrigando o corpo a queimar mais calorias para obter a mesma quantidade de energia disponível. Ou seja, a ineficiência induzida nos adipócitos aumenta o gasto energético basal.

Mas Isso É Saudável?

Apesar de a perda de peso ser real e fisiologicamente explicável, o contexto precisa ser destacado. Dietas com restrição severa de proteína:

  • Podem comprometer a síntese proteica a longo prazo;
  • Reduzem a saciedade e aumentam a compulsão alimentar;
  • Estão associadas à perda de massa magra e imunossupressão crônica em cenários prolongados;
  • E, em casos de superalimentação com açúcar, favorecem o acúmulo de gordura hepática (lipogênese de novo), dislipidemia e resistência ao próprio FGF-21.

O próprio autor do texto original adverte: embora carboidratos simples possam elevar FGF-21, o efeito vem acompanhado de aumento expressivo de triglicerídeos e produção de gordura no fígado, com consequências metabólicas desfavoráveis.

Considerações Finais

O ponto principal do estudo não é uma apologia ao açúcar, mas sim a demonstração de como a manipulação da ingestão proteica pode influenciar profundamente o metabolismo energético via FGF-21 e mecanismos mitocondriais.

A “dieta do açúcar” pode até provocar perda de peso a curto prazo por indução de ineficiência metabólica — mas isso ocorre à custa da saúde metabólica, da função hepática e da integridade nutricional. A ausência de proteína de qualidade e de gorduras essenciais é insustentável e biologicamente prejudicial em longo prazo.

Em resumo: o açúcar não é o herói da história. A perda de peso observada decorre de um estado metabólico forçado e ineficiente, que gera mais perguntas do que soluções para a saúde a longo prazo.

Fonte: https://staycuriousmetabolism.substack.com/p/the-sugar-diet-worksbut-not-for-the

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