Por décadas, os alimentos de origem animal — especialmente as carnes vermelhas — foram classificados como vilões nas diretrizes alimentares, com base na suposição de que seriam excessivamente ricos em gordura saturada. Essa crença deu origem a uma série de recomendações para limitar seu consumo, especialmente por pessoas preocupadas com a saúde cardiovascular. Mas será que essa imagem condiz com os dados reais?
Neste artigo, vamos confrontar essa ideia com números concretos obtidos de fontes confiáveis como o Instituto Nacional de Saúde de Portugal (INSA), a Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TACO) e o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), além de contrastar com alimentos vegetais ricos em gordura — como óleo de coco, óleo de soja, azeite de dendê e azeite de oliva.
O que realmente há na carne?
Fonte: USDA FoodData Central, TACO – Tabela Brasileira de Composição de Alimentos, INSA Portugal – PortFIR
Ao contrário do senso comum, a carne bovina não é composta majoritariamente por gordura saturada. A composição lipídica da carne é muito mais equilibrada do que se costuma divulgar. Quando analisamos os principais cortes bovinos, observamos que grande parte da gordura presente é monoinsaturada — o mesmo tipo predominante no azeite de oliva.
Distribuição média das gorduras na carne bovina:
- Gordura saturada: aproximadamente 35% a 45% da gordura total
- Gordura monoinsaturada: entre 40% e 50%
- Gordura poli-insaturada (PUFA): entre 2% e 5%
- Outros lipídios (colesterol, fosfolipídios): <2%
Ou seja, em muitos casos, a carne possui mais ácido oleico (monoinsaturado) do que gordura saturada. Essa composição pode variar conforme o corte e o tipo de criação do animal, mas a tendência geral se mantém.
Exemplos práticos: comparação entre cortes
Fonte: TACO – Tabela Brasileira de Composição de Alimentos, USDA FoodData Central
Corte | Gordura total (g) | Saturada (g) | Monoinsaturada (g) |
---|---|---|---|
Alcatra, grelhada | 6,0 | 2,5 | 2,6 |
Contra-filé, grelhado | 10,7 | 4,2 | 4,4 |
Patinho, cozido | 4,5 | 1,7 | 1,9 |
Costela, assada | 25,0 | 9,8 | 11,0 |
Cupim, assado | 24,0 | 9,3 | 10,5 |
Rabada, cozida | 22,0 | 8,6 | 9,8 |
E quanto aos alimentos vegetais?
Fontes: USDA – Coconut Oil, USDA – Soybean Oil, USDA – Palm Oil, USDA – Olive Oil
Ao contrário do que muitos imaginam, alimentos de origem vegetal não apresentam uma proporção equilibrada entre os diferentes tipos de gordura, especialmente quando comparamos com a carne.
1. Óleo de coco
Composição do óleo de coco (100g) |
---|
Gordura total: 99,1g |
Saturada: 82,5g (~83%) |
Monoinsaturada: 6,3g |
Poli-insaturada: 1,7g |
2. Óleo de soja
Composição do óleo de soja (100g) |
---|
Gordura total: 100g |
Saturada: 15,6g |
Monoinsaturada: 22,8g |
Poli-insaturada: 57,7g (~58%) |
3. Azeite de dendê (óleo de palma)
Composição do azeite de dendê (100g) |
---|
Gordura total: 100g |
Saturada: 49,3g |
Monoinsaturada: 37g |
Poli-insaturada: 9,3g |
4. Azeite de oliva extravirgem
Composição do azeite de oliva (100g) |
---|
Gordura total: 100g |
Saturada: 13,8g |
Monoinsaturada: 72,9g (~73%) |
Poli-insaturada: 10,5g |
A carne como fonte estável de gordura
Fontes: INSA Portugal – PortFIR, USDA FoodData Central
A gordura da carne bovina contém baixo teor de PUFA, o que a torna mais estável ao calor e menos propensa à oxidação. Isso contrasta com óleos vegetais ricos em ômega-6 (como soja, milho e girassol), que oxidam facilmente em altas temperaturas.
E as diretrizes alimentares?
Referência: Siri-Tarino PW et al., AJCN, 2010
As diretrizes que limitam a gordura saturada a menos de 10% das calorias diárias vêm sendo amplamente questionadas por análises recentes. Revisões sistemáticas e metanálises falharam em demonstrar uma relação causal entre o consumo de gordura saturada natural e o aumento de mortalidade cardiovascular.
Conclusão: a carne não é o vilão — e os vegetais não são neutros
Os dados são claros: a carne bovina não é predominantemente composta por gordura saturada. Ela oferece uma combinação natural e equilibrada de gorduras saturadas e insaturadas — algo que poucos alimentos vegetais conseguem replicar.
Enquanto isso, óleos vegetais amplamente usados e promovidos como “saudáveis” apresentam proporções extremas: ou são quase inteiramente saturados (como o coco), ou são excessivamente ricos em PUFA (como a soja). Essas composições distorcidas podem representar riscos metabólicos quando consumidas em excesso ou em contextos inadequados, como frituras e industrializados.
Revisar os paradigmas alimentares à luz de dados reais é essencial para que escolhas sejam feitas com base em evidências — e não em mitos nutricionais consolidados por décadas de desinformação.