Em The Popes and Science, James J. Walsh refuta a tese do conflito entre Igreja e ciência, expondo o papel ativo dos papas e da tradição católica no desenvolvimento do conhecimento médico, científico e educacional durante a Idade Média. Baseando-se em documentos e evidências históricas, o autor mostra que muitos dos mitos sobre repressão científica foram amplificações injustas, centradas no caso Galileu, e que obscurecem séculos de patrocínio e incentivo papal ao saber.
No campo da medicina, Walsh enfatiza a importância das universidades católicas — como Bolonha, Roma, Montpellier e Paris — que contavam com cursos avançados de anatomia, cirurgia e farmacologia. Ele corrige a lenda da proibição da dissecação de cadáveres, explicando que o decreto De Sepulturis (Bonifácio VIII) tratava de abusos funerários, e não de ensino anatômico. A prática da dissecação foi comum, e os papas concederam várias permissões formais para tal finalidade.
A obra destaca a presença de médicos e cientistas eclesiásticos entre os maiores expoentes da medicina medieval, como Alberto Magno, Roger Bacon e Guy de Chauliac. Esses clérigos não só estudaram os textos antigos como os ampliaram com observações práticas e métodos clínicos. Walsh mostra que os papas mantinham médicos pessoais de altíssimo nível científico, como Colombo, Eustachio e Malpighi — pioneiros da anatomia, fisiologia e patologia.
Entre os aspectos mais relevantes abordados no livro está a atenção à dieta como forma de tratamento médico. Walsh relata que, na tradição médica medieval cristã, a dieta era considerada pilar fundamental da terapêutica, junto com o ambiente, o sono, a atividade física e o equilíbrio emocional. Os textos médicos da época, inspirados tanto por Hipócrates quanto por Galeno, recomendavam ajustes alimentares específicos conforme a constituição do paciente, as estações do ano e os humores corporais.
A medicina escolástica ensinava que certos alimentos tinham propriedades terapêuticas bem definidas. Carnes eram divididas por grau de digestibilidade; caldos e sopas — especialmente os preparados com ossos e vísceras — eram valorizados como fontes de força vital. Laticínios, ovos e peixes também eram usados com moderação ou conforme a necessidade clínica. Havia recomendações claras sobre o consumo de vinho diluído, azeites e ervas digestivas.
Guy de Chauliac, por exemplo, prescrevia dietas específicas para diferentes fases do tratamento cirúrgico, com uso de alimentos ricos em gordura animal durante a convalescença, por sua ação restauradora. Nas universidades papais, como Perugia e Roma, o ensino incluía também noções de higiene alimentar e dietética terapêutica. Essa tradição era reforçada pelos hospitais e ordens religiosas, como os Beneditinos, que registravam práticas dietéticas em seus mosteiros, com base na observação empírica e nos princípios médicos da época.
Além disso, o Papa João XXI, ele próprio médico e autor de tratados sobre saúde, escreveu sobre nutrição e regimes alimentares preventivos, valorizando a alimentação como base da saúde física e espiritual. Seu tratado Thesaurus Pauperum reúne dezenas de receitas terapêuticas com orientações alimentares precisas.
Por fim, Walsh conclui que a Igreja não apenas tolerou a medicina e a ciência, mas as promoveu ativamente, inclusive no campo da nutrição e das dietas terapêuticas. Ao contrário do mito da repressão, o papado foi — como no caso das artes, da educação e da arquitetura — um grande patrono também da medicina baseada em evidências empíricas, incluindo a alimentação como recurso terapêutico e preventivo.
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