Um relato clínico publicado no American Journal of Medical Case Reports documenta o caso notável de uma criança com graves anomalias cerebrais e descargas epilépticas frequentes durante o sono, cuja condição apresentou melhora substancial após a adoção da dieta paleolítica cetogênica (PKD). Essa abordagem terapêutica, baseada em carne e gordura animal, vem sendo estudada como alternativa evolutivamente adaptada à fisiologia humana, especialmente em distúrbios neurológicos refratários.
Histórico clínico da paciente
A criança nasceu a termo, em 2007, sem complicações imediatas. No entanto, exames de imagem revelaram ventriculomegalia e, mais tarde, uma malformação cortical extensa chamada de polimicrogiria bilateral, afetando quase todos os lobos cerebrais. Também foram observadas agenesia do septo, hipogênese do corpo caloso e diversas alterações dismórficas. Apesar da ausência de crises epilépticas clínicas, um eletroencefalograma (EEG) realizado em 2013 revelou atividade epiléptica multifocal contínua durante o sono NREM, especialmente nas fases 3 e 4.
Diante desse quadro e com os pais optando por não administrar medicações antiepilépticas, foi iniciada uma transição para a dieta paleolítica cetogênica.
Composição e adesão à dieta
A PKD aplicada neste caso consistia predominantemente em gordura e carne de porco e boi, vísceras e carnes vermelhas, com proporção gordura:proteína de pelo menos 2:1. Pequenas quantidades de vegetais foram permitidas desde que não interrompessem a cetose, monitorada por testes urinários regulares. Não foram utilizados óleos vegetais, suplementos vitamínicos nem medicamentos.
A adesão à dieta foi excelente. A paciente manteve cetose estável durante os 17 meses de acompanhamento, com parâmetros laboratoriais normais exceto por níveis elevados de colesterol total e LDL.
Resultados clínicos e eletroencefalográficos
Quatro semanas após o início da dieta, um novo EEG mostrou normalização da arquitetura do sono e ausência de atividade epiléptica clara. Seis meses depois, outro EEG confirmou a manutenção do padrão normal. Além das melhorias neurofisiológicas, os pais relataram ganhos notáveis na cognição, concentração, compreensão da linguagem, vocalização e habilidades motoras.
Os exames laboratoriais revelaram:
- Glicemia média estável (3,9 mmol/L),
- Hemoglobina glicada reduzida (de 5,2% para 4,8%),
- Colesterol total elevado (12,3 mmol/L) e LDL elevado (10,85 mmol/L),
- Marcadores inflamatórios como PCR e fibrinogênio baixos.
Não houve sinais clínicos de deficiência nutricional ou efeitos adversos comuns em dietas cetogênicas tradicionais, como anemia, infecções ou efeitos gastrointestinais.
Discussão
Esse caso reforça a hipótese de que a dieta paleolítica cetogênica — ao simular padrões alimentares ancestrais — pode proporcionar benefícios terapêuticos robustos em casos neurológicos complexos, sem os efeitos colaterais frequentemente associados a dietas cetogênicas convencionais. A completa normalização da atividade epiléptica em EEG é rara mesmo em pacientes tratados com a dieta cetogênica clássica, o que torna os achados especialmente relevantes.
Além disso, os autores sugerem que os níveis elevados de colesterol podem refletir processos regenerativos ativos, já que marcadores inflamatórios permaneceram baixos e nenhum sinal de risco cardiovascular foi identificado.
Conclusão
A dieta paleolítica cetogênica demonstrou ser eficaz, segura e viável como monoterapia em uma criança com malformação cerebral extensa e atividade epiléptica noturna. Esse caso contribui para a literatura emergente que defende o uso de estratégias nutricionais evolutivamente compatíveis como tratamento primário ou complementar em doenças neurológicas.
Fonte: http://dx.doi.org/10.12691/ajmcr-3-7-8