Relação dose-resposta entre exercício noturno e sono


Nas últimas décadas, a prática de exercícios físicos foi amplamente recomendada como uma ferramenta eficaz para melhorar a saúde geral e, em especial, a qualidade do sono. No entanto, um tema permanece controverso: será que se exercitar à noite atrapalha o sono?

Foi justamente essa dúvida que motivou um estudo recente publicado na Nature Communications, que analisou mais de 4 milhões de noites de sono de quase 15 mil indivíduos fisicamente ativos ao longo de um ano. Utilizando um dispositivo biométrico, os pesquisadores examinaram como o horário e a intensidade do exercício (denominada "esforço" ou strain) afetavam diversos parâmetros do sono e da atividade autonômica noturna, como frequência cardíaca e variabilidade da frequência cardíaca (HRV).

A influência do esforço e do horário

O estudo confirmou uma relação clara de dose-resposta: quanto mais intenso e mais próximo da hora de dormir for o exercício, maiores as chances de impacto negativo no sono.

Quando os exercícios foram concluídos pelo menos 4 horas antes do início habitual do sono, mesmo os de alta intensidade não mostraram efeitos deletérios significativos. Contudo, atividades intensas que terminaram até 2 horas antes ou após o início do sono foram associadas a:

  • Atraso no início do sono: até 80 minutos a mais para adormecer após exercícios máximos encerrados próximo ao horário de dormir.
  • Redução na duração total do sono: até 13,9% menor (cerca de 43 minutos a menos).
  • Queda na qualidade do sono: medido pela porcentagem de tempo efetivamente dormindo, que caiu até 5,6 pontos percentuais.
  • Aumento da frequência cardíaca noturna: até 9,4 batimentos por minuto acima do normal.
  • Queda acentuada da variabilidade cardíaca (HRV): redução de até 32,6%, um indicativo de menor recuperação fisiológica.

Por que isso acontece?

Durante o exercício, especialmente os mais intensos, o corpo entra em estado de alerta — com ativação do sistema nervoso simpático, elevações de temperatura corporal, frequência cardíaca e liberação de hormônios como adrenalina. Para que o sono aconteça de forma ideal, o oposto precisa ocorrer: ativação parassimpática, redução da temperatura e frequência cardíaca, além de estabilidade metabólica.

Esse processo de transição, chamado de recuperação autonômica, pode demorar várias horas, especialmente após exercícios de alto esforço. Quando o tempo entre o fim da atividade e o início do sono é curto, o corpo ainda está em “modo ativo”, dificultando a indução e manutenção do sono profundo.

Nem todo exercício é igual

O estudo categorizou o esforço físico em quatro níveis, com base no tempo e intensidade cardíaca:

  • Leve: caminhadas rápidas ou corrida leve (30 minutos a 65% da frequência máxima).
  • Moderado: aulas de ginástica ou corrida média (45 minutos a 85%).
  • Alto: treinos intensos como hóquei ou corrida longa (90 minutos a 85%).
  • Máximo: competições ou maratonas (mais de 2 horas a 85%).

Apenas os níveis alto e máximo apresentaram associação significativa com prejuízos ao sono quando realizados no período noturno. Exercícios leves e moderados, quando finalizados pelo menos 2 horas antes do sono, não causaram alterações relevantes.

Recomendações práticas

Com base nesses achados, os autores sugerem:

  1. Evitar exercícios intensos nas 4 horas que antecedem o sono.
  2. Se o treino noturno for necessário, optar por exercícios leves.
  3. Atletas e pessoas com treinos intensos devem planejar seus horários de forma estratégica, pois o sono é essencial para a recuperação física e mental.

Embora o exercício seja uma ferramenta poderosa para melhorar o sono e a saúde geral, o horário e a intensidade importam. A ideia de que qualquer exercício é benéfico em qualquer momento do dia não encontra suporte quando se trata de sono. Como o estudo revelou, não é apenas a prática de atividade física que conta, mas sim o contexto em que ela ocorre.

Fonte: https://doi.org/10.1038/s41467-025-58271-x

Postagem Anterior Próxima Postagem
Rating: 5 Postado por: