A compreensão da forma como o músculo esquelético absorve glicose do sangue é essencial para desvendar os mecanismos que sustentam o metabolismo energético e a homeostase da glicose — processos que, quando disfuncionais, contribuem para doenças como diabetes tipo 2 e a resistência à insulina. O artigo “A Comprehensive View of Muscle Glucose Uptake: Regulation by Insulin, Contractile Activity and Exercise”, publicado em 2025, apresenta uma visão panorâmica e integradora sobre esse processo, destacando as vias moleculares e os fatores fisiológicos envolvidos na regulação da captação de glicose por esse tecido altamente dinâmico.
O músculo esquelético como regulador central da glicose
O músculo esquelético é o principal consumidor de glicose durante a atividade física e também atua como o principal destino da glicose após uma refeição. Em condições normais, a barreira mais significativa para o uso de glicose pelo músculo não está na oferta circulante do açúcar, mas sim na sua entrada nas fibras musculares, um processo mediado por proteínas transportadoras específicas, principalmente o GLUT4.
O GLUT4, que se encontra armazenado em compartimentos intracelulares, é mobilizado até a membrana da célula muscular em resposta à insulina ou às contrações musculares. Uma vez na membrana, o transportador permite que a glicose entre na célula, onde será utilizada como fonte de energia ou armazenada sob forma de glicogênio.
Insulina e sua ação sobre o GLUT4
A insulina é um hormônio chave no estímulo à captação de glicose, especialmente após uma refeição. Quando liberada, ela desencadeia uma série de reações em cadeia que culminam com a translocação do GLUT4 para a superfície da célula. Esse processo, que envolve ativação de receptores de insulina, sinalização por proteínas como Akt e Rab GTPases, depende também de elementos do citoesqueleto, como actina e miosinas, que transportam as vesículas contendo GLUT4 até a membrana.
É importante ressaltar que esse processo é relativamente lento quando comparado à resposta celular em estudos isolados: no organismo vivo, o pico de captação de glicose por ação da insulina pode demorar até duas horas para se manifestar plenamente, devido à barreira imposta pela microvasculatura e à necessidade de difusão da insulina até os tecidos periféricos.
Exercício físico e contrações musculares: uma via independente
Diferente da via insulino-dependente, o exercício físico representa uma rota alternativa e independente para o estímulo da captação de glicose pelo músculo. Durante o exercício, há um aumento expressivo na necessidade energética, o que mobiliza GLUT4 para a membrana por meio de mecanismos que envolvem o aumento de cálcio intracelular, ativação da AMPK (uma quinase sensível ao estado energético celular) e modulação de proteínas como Rac1 e PAK.
Esse efeito ocorre mesmo na ausência de insulina e, de forma interessante, permanece intacto mesmo em situações de resistência à insulina, o que explica, em parte, os benefícios metabólicos do exercício físico regular para pessoas com diabetes tipo 2.
Convergência e complementaridade entre os estímulos
Embora distintas, as vias ativadas pela insulina e pelas contrações musculares não são mutuamente excludentes. Elas convergem em pontos estratégicos da célula, como nas etapas finais de fusão das vesículas de GLUT4 com a membrana. Isso significa que a combinação de exercício físico e ação da insulina pode ter efeitos aditivos ou até sinérgicos sobre a captação de glicose. De fato, durante o exercício, a presença de insulina — por exemplo, se houver ingestão de carboidrato — potencializa ainda mais a absorção de glicose pelo músculo.
Implicações clínicas e fisiológicas
O conhecimento detalhado dos mecanismos que regulam a captação de glicose muscular tem aplicações diretas na prevenção e tratamento de condições metabólicas. Estratégias que visam melhorar a sensibilidade à insulina — como a prática regular de exercícios físicos — não apenas promovem o controle glicêmico como também ajudam a restaurar a flexibilidade metabólica do músculo, ou seja, sua capacidade de alternar entre diferentes fontes energéticas de forma eficiente.
Além disso, o reconhecimento da importância do exercício como estimulador da captação de glicose de forma independente da insulina ressalta seu papel central no manejo do diabetes, especialmente em indivíduos com resistência acentuada à ação do hormônio.
Considerações finais
A revisão apresentada no artigo destaca a sofisticação do controle metabólico exercido pelo músculo esquelético e revela como fatores moleculares, estruturais e fisiológicos trabalham em conjunto para ajustar a captação de glicose conforme a demanda energética. Embora muitos dos elementos desse sistema já sejam bem compreendidos, avanços em técnicas de biologia molecular e bioinformática vêm permitindo a descoberta de novas camadas regulatórias, abrindo portas para terapias mais eficazes e personalizadas no futuro.
O músculo, portanto, não é apenas um motor de movimento, mas um verdadeiro sensor e regulador do metabolismo corporal, capaz de responder tanto aos estímulos hormonais quanto aos mecânicos com precisão e eficácia.
Fonte: https://doi.org/10.1152/physrev.00033.2024