A dieta cetogênica melhora os distúrbios neurológicos influenciando a microbiota intestinal?

A dieta cetogênica tem emergido como uma abordagem terapêutica promissora para diversos distúrbios neurológicos, oferecendo benefícios que vão além do tratamento tradicional da epilepsia refratária. Uma revisão sistemática publicada no Nutrition Journal examinou especificamente como as alterações na microbiota intestinal induzidas pela dieta cetogênica podem representar um mecanismo subjacente na melhoria de doenças neurológicas.

Metodologia e Abrangência do Estudo

Os pesquisadores conduziram uma busca abrangente em três bases de dados eletrônicas até dezembro de 2022, incluindo PubMed/Medline, Web of Science e Scopus. O estudo incluiu 13 pesquisas que examinaram os efeitos da dieta cetogênica na microbiota intestinal em pacientes neurológicos, sendo seis ensaios clínicos e sete estudos de coorte, todos publicados entre 2016 e 2022.

A análise abrangeu 307 pacientes com distúrbios neurológicos de diferentes continentes, incluindo Europa, América e Ásia. Os participantes apresentavam idades entre 2 e 65 anos, com a maioria dos estudos focando em crianças com epilepsia refratária.

Resultados Clínicos Significativos

Os estudos demonstraram consistentemente que a dieta cetogênica melhorou os desfechos clínicos reduzindo a gravidade da doença, frequência de ataques e taxas de recidiva. Em pacientes com epilepsia refratária, as frequências de convulsões diminuíram em mais de 50%, acompanhadas de melhorias no eletroencefalograma.

Para pacientes com esclerose múltipla, a pesquisa revelou correlação positiva entre a dieta cetogênica e resposta ao tratamento, com melhoria na qualidade de vida dos pacientes. Estudos em crianças com transtorno do espectro autista mostraram desenvolvimento de pontuações sociais, comportamentais e de comparação durante o tratamento.

Alterações na Composição da Microbiota

A análise identificou mudanças significativas na composição da microbiota intestinal após a implementação da dieta cetogênica. Observou-se aumento no filo Proteobacteria e nos gêneros Escherichia, Bacteroides, Prevotella, Faecalibacterium, Lachnospira, Agaricus e Mrakia.

Paralelamente, houve redução nos filos Firmicutes e Actinobacteria, bem como nos gêneros Eubacterium, Cronobacter, Saccharomyces, Claviceps, Akkermansia e Dialister. Essas mudanças taxonômicas foram observadas consistentemente em diferentes tipos de distúrbios neurológicos estudados.

Impacto nos Metabólitos Derivados da Microbiota

As pesquisas revelaram alterações importantes nos metabólitos produzidos pela microbiota intestinal. Os estudos mostraram redução nas concentrações de ácidos graxos de cadeia curta fecais e ácidos graxos de cadeia ramificada.

Simultaneamente, observou-se aumento nos níveis de beta-hidroxibutirato, óxido de trimetilamina N e N-acetilserotonina após a dieta cetogênica. Essas mudanças metabólicas podem ter implicações diretas na função neurológica e na comunicação do eixo intestino-cérebro.

Mecanismos Neuroprotetores

A pesquisa sugere que os corpos cetônicos produzidos durante a dieta cetogênica exercem efeitos neuroprotetores através de múltiplos mecanismos. Estes incluem redução do estresse oxidativo, manutenção dos níveis de energia para células do sistema nervoso central, modulação da atividade de desacetilação e regulação de respostas inflamatórias.

Os corpos cetônicos demonstraram capacidade de neutralizar o estresse oxidativo, particularmente na proteção do sistema nervoso. A produção aumentada desses compostos ocorre principalmente através da oxidação de ácidos graxos, especialmente ácidos graxos poli-insaturados.

Interação Microbiota-Cérebro

O conceito de "eixo microbiota-intestino-cérebro" emerge como elemento central na compreensão dos benefícios neurológicos da dieta cetogênica. A microbiota intestinal produz substâncias químicas que impactam significativamente o sistema nervoso, incluindo ácidos graxos de cadeia curta, óxido nítrico, serotonina e ácido gama-aminobutírico.

O nervo vago é principalmente responsável pela comunicação direta entre a microbiota intestinal e o sistema nervoso central. Estudos demonstram que a secção deste nervo reduz a neurogênese regulada pela microbiota intestinal e a expressão do fator neurotrófico derivado do cérebro no hipocampo.

Limitações e Perspectivas Futuras

Apesar dos resultados promissores, a revisão identificou algumas limitações importantes. A maioria dos estudos teve tamanhos de amostra pequenos, uma vez que a dieta cetogênica ainda é uma opção de tratamento em expansão, mas não amplamente utilizada em doenças neurodegenerativas.

Os estudos apresentaram designs variados, métodos de processamento de amostras e características demográficas diferentes, resultando em falta de consistência em alguns resultados. Estudos futuros com mais pacientes e períodos de tratamento e acompanhamento mais longos são necessários para elucidar completamente os mecanismos da dieta cetogênica no tratamento de doenças neurológicas.

Conclusões

A evidência científica atual demonstra que a dieta cetogênica prescrita em pacientes neurológicos alterou efetivamente a composição da microbiota intestinal e os metabólitos derivados da microbiota. Os mecanismos detalhados da dieta cetogênica para o tratamento de doenças neurológicas permanecem obscuros, mas em algumas condições neurológicas, como epilepsia, doença de Alzheimer e doença de Parkinson, ela pode ter efeito terapêutico.

A modulação da composição e função da microbiota intestinal é considerada um dos mecanismos subjacentes da dieta cetogênica. Esta abordagem terapêutica demonstra excelente potencial na aplicação clínica, mas requer exploração adicional para otimizar a estratégia e eficácia do tratamento cetogênico em doenças neurológicas.

Fonte: https://doi.org/10.1186/s12937-023-00893-2

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