O artigo científico "Towards the Big History of information. Approaching the origins of information behaviour" propõe uma reflexão instigante sobre como o comportamento informacional, hoje tão característico dos seres humanos, tem raízes profundas no tempo evolutivo da vida animal. Mais do que um olhar sobre registros escritos ou linguagens complexas, o estudo convida a retroceder no tempo geológico, alcançando as origens mais elementares daquilo que pode ser entendido como "informação" no contexto do comportamento animal.
Uma nova perspectiva para a história da informação
Tradicionalmente, a história da informação concentra-se em documentos, registros e sistemas simbólicos complexos. Contudo, os autores deste trabalho defendem que o comportamento informacional — entendido como a habilidade de perceber, processar e reagir a estímulos ambientais com base em antecipações — surgiu muito antes da espécie humana, ainda no Neoproterozoico, quando condições ambientais e inovações biológicas criaram o cenário propício para esse salto evolutivo.
O papel da dieta carnívora e da luz
Uma das ideias centrais do estudo é que o comportamento informacional não foi iniciado apenas pela evolução de células neurais, sistemas nervosos ou da visão. Antes, a emergência de uma nova forma de alimentação — a dieta carnívora — teria desempenhado papel fundamental como gatilho dessa transformação.
Por bilhões de anos, os ecossistemas eram dominados por organismos que praticavam fotossíntese ou filtravam partículas orgânicas em suspensão. A introdução da dieta carnívora trouxe um desafio inédito: a necessidade de localizar, identificar e perseguir presas móveis e evasivas. Esse novo modo de vida exigiu adaptações radicais, entre elas o desenvolvimento de sistemas nervosos e, eventualmente, da visão como forma de "sensoriamento remoto" do ambiente.
Com o fim da era glacial global conhecida como "Terra Bola de Neve", por volta de 635 milhões de anos atrás, as camadas de gelo derretidas elevaram o nível dos mares e permitiram que a luz penetrasse em novos habitats rasos. Essa luz se tornaria o estímulo ambiental mais eficiente para percepção rápida, graças à sua velocidade de propagação e riqueza de informações codificadas em seus comprimentos de onda.
O esquema de determinação adiáfora
Inspirando-se no trabalho do psicólogo húngaro Lajos Kardos, os autores introduzem o conceito de adiaphore determination scheme (ADS), que descreve como organismos passaram a perceber estímulos ambientais que, até então, eram neutros (ou "adiáforos") para antecipar perigos e oportunidades iminentes. Essa antecipação — ganhar tempo — passou a ser uma vantagem evolutiva crítica, permitindo aos primeiros predadores melhorar sua taxa de sucesso e, portanto, sua aptidão reprodutiva.
A percepção da luz se encaixou perfeitamente neste contexto: pela sua rapidez, permitia aumentar o "tempo de adiáfora", ou seja, o intervalo entre a percepção de um indício e o evento relevante propriamente dito, maximizando as chances de sobrevivência e sucesso predatório.
Um ponto de inflexão evolutivo
O estudo destaca como múltiplos fatores independentes se alinharam para viabilizar essa transformação:
- Aparecimento da dieta carnívora: trouxe novos desafios e pressões seletivas.
- Aumento do oxigênio nos mares rasos: permitiu maior atividade metabólica.
- Elevação do nível do mar e ampliação das plataformas continentais: criou novos habitats iluminados.
- Desenvolvimento do sistema nervoso e preparação genética para a visão: estabeleceram a base biológica necessária.
- Disponibilidade da luz como estímulo predominante: forneceu o substrato ambiental ideal.
Esse conjunto culminou no que os autores descrevem como um "salto quântico" no comportamento animal: o nascimento do comportamento informacional, precursor remoto daquilo que, muito mais tarde, floresceria como linguagem, memória e cultura humanas.
Novas fronteiras de pesquisa
O artigo também aponta caminhos para futuras investigações, defendendo que o ADS pode servir como estrutura conceitual para identificar outros marcos na evolução do comportamento informacional. Além disso, sugere a necessidade de integrar diversas disciplinas — paleontologia, neurociência, história da informação — para compor um panorama verdadeiramente interdisciplinar da longa história da relação entre vida e informação.
Conclusão
A análise propõe que o comportamento informacional animal emergiu quando a evolução da dieta carnívora, a presença de luz nos mares rasos e a prontidão neurobiológica convergiram para inaugurar uma nova era: a era em que organismos começaram a processar o mundo ao seu redor de maneira antecipatória, representacional e dirigida à ação. Esse momento foi o alicerce remoto do que hoje chamamos de cultura humana.
O estudo exemplifica como "Big History", ao unir história geológica, biológica e cultural, pode revelar padrões fundamentais que moldaram a trajetória da vida na Terra, incluindo as raízes do modo como percebemos, pensamos e agimos no mundo contemporâneo.