O envelhecimento traz consigo mudanças profundas na composição da microbiota intestinal, processo conhecido como disbiose intestinal relacionada à idade. Esta condição se caracteriza pela redução da diversidade de bactérias benéficas e pelo crescimento de espécies patogênicas, sendo associada a diversos problemas de saúde característicos do envelhecimento, incluindo desnutrição, fragilidade, obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares e aumento da mortalidade.
Entre os fatores que podem influenciar esta alteração da microbiota, a dieta desempenha um papel direto e fundamental. Embora o consumo de padrões alimentares específicos, como a dieta mediterrânea, e determinados alimentos, como frutas e vegetais, seja conhecido por beneficiar a microbiota intestinal, pouco se sabia sobre o efeito de nutrientes específicos, especialmente as proteínas, na disbiose intestinal relacionada à idade.
A questão das proteínas na população idosa ganha relevância especial, pois os requisitos proteicos aumentam com o envelhecimento devido à redução da resposta sintética das proteínas musculares e à perda gradual de massa e função muscular. Uma maior ingestão de proteína tem sido sugerida para amenizar condições catabólicas associadas à idade, como a inflamação crônica de baixo grau e a sarcopenia.
Metodologia do Estudo
Um estudo transversal analisou 775 homens idosos participantes do Estudo de Fraturas Osteoporóticas em Homens (MrOS), com idade média de 84,2 ± 4,0 anos. Os participantes possuíam informações dietéticas disponíveis e forneceram amostras de fezes durante a visita 4 do estudo (2014-2016).
A ingestão de proteína foi estimada através de um questionário de frequência alimentar (FFQ) breve e ajustada para a ingestão total de energia. A composição da microbiota intestinal foi determinada por sequenciamento 16S (v4), processado através das plataformas DADA2 e SILVA. O estudo identificou um total de 11.534 variantes de sequência de amplicon (ASVs) atribuídas a 21 filos, com dominância de Firmicutes (45%) e Bacteroidetes (43%).
Os pesquisadores realizaram análises de α-diversidade, β-diversidade e abundância de táxons para determinar as associações entre a ingestão de proteína e a microbiota intestinal. As análises foram ajustadas para idade, raça, educação, centro clínico, número de lote, fibra e ingestão de energia, peso, altura e medicamentos.
Principais Descobertas
Consumo de Proteína
A ingestão mediana de proteína foi de 0,7 g/(kg de peso corporal · dia), valor inferior à recomendação dietética de 0,8 g/(kg de peso corporal · dia). Os participantes foram categorizados em quartis baseados na distribuição da ingestão de proteína ajustada para energia: Q1 (≤55,44 g/dia), Q2 (55,45–61,17 g/dia), Q3 (61,18–67,98 g/dia) e Q4 (≥67,99 g/dia).
Diversidade da Microbiota
Os participantes com maior ingestão de proteína ajustada para energia apresentaram índices de α-diversidade Shannon e Chao1 significativamente mais altos (P < 0,05). Esta associação positiva foi observada tanto para proteínas de origem animal quanto vegetal.
Para a análise de β-diversidade, os participantes com maior ingestão de proteína apresentaram um centro diferente nas análises de coordenadas principais UniFrac ponderadas e não ponderadas em comparação com aqueles com menor ingestão (P < 0,05).
Composição Bacteriana Específica
A análise de abundância diferencial revelou que várias ASVs em nível de gênero foram mais abundantes em participantes com maior ingestão de proteína, incluindo Christensenellaceae, Veillonella, Haemophilus e Klebsiella. Por outro lado, Clostridiales bacterium DTU089 e Desulfovibrio foram mais abundantes em participantes com menor ingestão de proteína.
Implicações dos Achados
Christensenellaceae e Saúde Metabólica
A família Christensenellaceae tem sido associada a um índice de massa corporal saudável, menor massa de gordura e longevidade. O aumento observado na abundância deste grupo em resposta à maior ingestão de proteína pode explicar, pelo menos em parte, as associações entre ingestão de proteína e peso corporal saudável.
Veillonella e Performance Física
O gênero Veillonella tem demonstrado promover o desempenho em atletas através do metabolismo do lactato para ácidos graxos de cadeia curta, que podem ser utilizados pelo músculo esquelético para melhorar a performance física. A maior abundância de Veillonella em homens com maior ingestão de proteína pode estar relacionada às associações positivas entre ingestão de proteína e função física.
Bactérias Potencialmente Prejudiciais
A redução observada na abundância de Desulfovibrio em indivíduos com maior ingestão de proteína é particularmente relevante, pois este gênero tem sido correlacionado com doenças inflamatórias intestinais e doença de Parkinson.
Mecanismos Propostos
O mecanismo pelo qual uma maior ingestão de proteína altera a composição da microbiota intestinal não está completamente esclarecido. Contudo, pode envolver o aumento da entrega de aminoácidos dietéticos ao intestino grosso para fermentação bacteriana e produção de ácidos graxos de cadeia curta (SCFAs). Os SCFAs são as principais fontes de energia para as células epiteliais do cólon e desempenham papéis fundamentais na manutenção da integridade intestinal, exercendo efeitos benéficos na saúde do hospedeiro através de vários mecanismos, incluindo modulação do sistema imunológico.
Relevância Clínica
A disbiose intestinal relacionada à idade resulta em uma redução de aproximadamente 10-20% na α-diversidade da microbiota intestinal em adultos idosos. Os resultados deste estudo mostraram que uma maior ingestão de proteína está associada a uma diversidade da microbiota intestinal 3-27% maior. Esta faixa está na escala do declínio relacionado à idade da diversidade da microbiota intestinal, sugerindo que uma maior ingestão de proteína pode ser considerada uma estratégia dietética potencial para restaurar a composição da microbiota intestinal em adultos idosos.
Limitações e Considerações
O estudo apresenta algumas limitações importantes. Os participantes do MrOS eram geralmente homens idosos brancos e saudáveis, o que pode limitar a generalização dos achados para outras populações, como mulheres, diferentes grupos raciais/étnicos ou aqueles residindo em instituições. Além disso, apenas a região V4 do 16S rRNA foi estudada, e a ingestão de proteína foi estimada usando um questionário de frequência alimentar, que está sujeito a viés de memória.
O design observacional do estudo também impede a inferência de relações causais entre ingestão de proteína e microbiota intestinal. Estudos futuros utilizando técnicas multi-ômicas avançadas são necessários para determinar os mecanismos potenciais pelos quais a ingestão de proteína dietética pode influenciar a composição da microbiota intestinal e a saúde geral em indivíduos idosos.
Conclusões
Este estudo representa a primeira investigação em larga escala baseada na população sobre as associações entre quantidade e fontes de proteínas dietéticas e composição da microbiota intestinal em adultos idosos. Os resultados demonstraram associações significativas entre a ingestão de proteína e a diversidade da microbiota intestinal em homens idosos que vivem na comunidade.
A riqueza e diversidade da microbiota intestinal foram maiores em homens idosos com maior consumo de proteína, tanto de fontes animais quanto vegetais. O estudo também identificou espécies bacterianas potenciais que foram mais abundantes em participantes com maior ingestão de proteína, algumas das quais têm sido associadas a melhor peso corporal, função física e longevidade.
Compreender os efeitos benéficos de uma dieta rica em proteínas na composição da microbiota intestinal em adultos idosos pode impulsionar o desenvolvimento de recomendações nutricionais específicas para a idade que melhorem diretamente a saúde intestinal e possam, em última análise, contribuir para o bem-estar geral com o envelhecimento.
Fonte: https://doi.org/10.1093/jn/nxac231
