Por que o açúcar — e não o sal — impulsiona a hipertensão


Durante anos, o sal foi tratado como o principal vilão da pressão alta. Porém, quando se examina com cuidado a literatura científica recente, emerge um quadro mais completo: o consumo elevado de açúcares adicionados, especialmente em bebidas adoçadas, está de forma consistente associado ao aumento da pressão arterial (PA) e ao risco futuro de hipertensão. Essa visão é sustentada por ensaios clínicos, coortes prospectivas e revisões sistemáticas — e por análises mecanísticas que explicam como o açúcar atua no organismo.

O que os estudos em humanos mostram

1) Ensaios clínicos e revisões sistemáticas
Uma revisão sistemática e meta-análise de ensaios clínicos demonstrou que maior ingestão de açúcares livres eleva a PA, efeito que persiste independentemente de mudanças no peso corporal. Esse trabalho analisou intervenções dietéticas comparando consumos altos versus baixos de açúcar e encontrou aumentos significativos na PA com maior ingestão. BMJ/Am J Clin Nutr, 2014. (PubMed)

No ensaio PREMIER (análise prospectiva), reduzir o consumo de bebidas adoçadas ao longo do acompanhamento associou-se à queda da PA, mesmo após ajuste para peso, ingestão de sódio e outros fatores. Circulation, 2010. (PubMed)

2) Coortes prospectivas
Meta-análises de coortes indicam que maior consumo de bebidas adoçadas com açúcar está associado a maior risco de desenvolver hipertensão (relação dose-resposta). Am J Clin Nutr, 2015; ver também sínteses mais recentes confirmando a associação. Frontiers in Nutrition, 2023. (PubMed)

3) Síntese interpretativa
Um artigo de análise publicado no Open Heart argumenta que, em termos etiológicos, o “cristal branco errado” para a hipertensão é o açúcar — não o sal — ao compilar evidências populacionais, clínicas e mecanísticas. Open Heart, 2014. (PubMed)

Como o açúcar aumenta a pressão: mecanismos biológicos

  1. Insulina e retenção de sal (sódio) pelos rins: Quando a ingestão de açúcar é alta, a insulina tende a subir. Níveis elevados de insulina fazem os rins reterem mais sódio e água, aumentando o volume de sangue circulante e, com isso, a pressão. Em modelos experimentais, dietas ricas em frutose ainda aumentam transportadores renais de sódio e cloro, intensificando a retenção de sal e elevando a PA. Klein & Kiat, 2015. (PMC)
  2. Ácido úrico e perda de relaxamento dos vasos: A frutose eleva o ácido úrico, que por sua vez reduz a disponibilidade de óxido nítrico — a “molécula do relaxamento” dos vasos. Com menos óxido nítrico, as artérias relaxam menos e endurecem mais, subindo a pressão. Revisões recentes reforçam esse elo entre hiperuricemia e hipertensão. Hypertension, 2022; Essawy et al., 2013; ver também base experimental clássica. AJP-Renal, 2006. (Revista AHA)
  3. Ativação do sistema nervoso simpático e vasoconstrição: Picos de açúcar e frutose podem ativar o sistema nervoso simpático e promover vasoconstrição, elevando a frequência cardíaca e a pressão. Essas respostas ajudam a explicar por que bebidas adoçadas (rápida absorção) têm impacto tão consistente na PA. Open Heart, 2014. (PubMed)

E o sal? Onde ele entra nessa história

Reduzir sódio baixa a PA, em especial em pessoas hipertensas ou sensíveis ao sal, e segue como recomendação de saúde pública. Há evidência robusta de que reduções modestas de sal por ≥4 semanas diminuem a PA em diferentes grupos. BMJ, 2013; OMS, 2023. (PubMed)

O ponto central, contudo, é que focar apenas no sal pode ocultar um determinante potente e onipresente: os açúcares adicionados. Em estudos que reduzem bebidas adoçadas, a queda de PA ocorre mesmo após ajuste para sódio e peso corporal, sugerindo efeitos próprios do açúcar. Circulation, 2010; BMJ/Am J Clin Nutr, 2014. (PubMed)

Evidências sobre o sal em indivíduos saudáveis

  1. Ensaios clínicos randomizados: A meta-análise Cochrane (2013) mostrou que reduzir o sódio na dieta diminui modestamente a pressão arterial em hipertensos, mas o efeito em pessoas normotensas é pequeno ou inexistente. A queda média observada foi de apenas 1 mmHg na pressão sistólica em indivíduos saudáveis. Isso significa que, para a maioria das pessoas sem hipertensão, cortar sal não traz benefício clínico relevante. BMJ, 2013
  2. WHO Technical Report (2023): A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece que os efeitos mais claros da redução de sódio ocorrem em pessoas hipertensas. Em indivíduos saudáveis, a resposta é heterogênea: parte não apresenta qualquer aumento de pressão com maior ingestão de sal, caracterizando os chamados “resistentes ao sal”. OMS – Sodium reduction
  3. Estudos sobre sensibilidade ao sal: Estudos de fisiologia mostram que apenas 30% a 40% da população apresenta “sensibilidade ao sal”. Para o restante, o consumo habitual de sódio não provoca aumento significativo da pressão arterial. Hypertension, 1991

Diretrizes que ajudam na prática

  • Limitar açúcares livres: a OMS recomenda <10% da energia diária, com benefícios adicionais se <5%. Isso inclui açúcares adicionados em alimentos e bebidas, além do açúcar de mel, xaropes e sucos. OMS, 2015. (Organização Mundial da Saúde)
  • Priorizar água e bebidas sem açúcar: cortar refrigerantes e outras bebidas adoçadas está associado à redução da PA, independentemente do peso. Circulation, 2010. (PubMed)
  • Manter ingestão moderada de sal conforme orientações vigentes (<2 g/dia de sódio ≈ <5 g/dia de sal), especialmente em hipertensos. OMS, 2025. (Organização Mundial da Saúde)

Conclusão 

Ao reunir ensaios, coortes e mecanismos biológicos, a evidência indica que o excesso de açúcares adicionados — sobretudo via bebidas adoçadas — eleva a pressão arterial e o risco de hipertensão, com efeitos independentes de peso e de sódio. O sal continua relevante em alguns casos, mas o açúcar ocupa um papel central e frequentemente negligenciado na gênese da hipertensão. Em termos práticos e de saúde pública, reduzir açúcares adicionados (em especial bebidas adoçadas) é uma alavanca poderosa e alinhada a diretrizes internacionais.

As evidências científicas mostram claramente que:

  • O sal não é um problema universal. Em pessoas saudáveis, sem hipertensão, a ingestão de sal costuma ter efeito mínimo ou nulo na pressão arterial.
  • O açúcar, especialmente em bebidas adoçadas, tem efeito direto e consistente, elevando a pressão e aumentando o risco de hipertensão mesmo em indivíduos sem histórico da doença.

Portanto, em vez de responsabilizar apenas o sal, a prioridade na prevenção da hipertensão deve ser reduzir açúcares adicionados na dieta, especialmente bebidas industrializadas e produtos ultraprocessados.

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