A dieta cetogênica, tradicionalmente associada ao tratamento de epilepsias refratárias, tem ganhado atenção como uma possível intervenção terapêutica para pacientes com câncer, especialmente tumores cerebrais. Esse interesse parte do princípio de que muitos tipos de células tumorais dependem fortemente da glicose para sua sobrevivência e multiplicação. Ao restringir carboidratos e forçar o organismo a utilizar corpos cetônicos como principal fonte de energia, a dieta cetogênica pode criar um ambiente metabólico hostil para essas células malignas.
Um estudo sistemático publicado no Journal of Nutrition and Metabolism analisou justamente esse potencial da dieta cetogênica em crianças com tumores cerebrais. A revisão incluiu oito publicações envolvendo um total de 11 pacientes pediátricos. O objetivo foi avaliar a segurança, a viabilidade e a eficácia da dieta, com foco em efeitos adversos, adesão ao tratamento, impacto sobre o tumor, qualidade de vida e estado nutricional.
Um tratamento promissor, mas ainda limitado
Os resultados foram encorajadores, embora limitados. Seis pacientes apresentaram resposta positiva do tumor, com redução ou estabilização do crescimento observada por exames de imagem, incluindo tomografias por emissão de pósitrons (PET) e ressonâncias magnéticas. Em cinco casos, foram relatadas melhorias nas habilidades neurológicas, como coordenação motora, visão e cognição. Quatro crianças apresentaram estabilização ou melhora no crescimento. Além disso, seis pacientes tiveram uma sobrevida média de 17,6 meses, um dado relevante considerando o prognóstico normalmente reservado para tumores cerebrais pediátricos.
Apesar desses avanços, os autores do estudo foram cautelosos. A amostra era pequena, os estudos incluídos eram majoritariamente relatos de caso e séries de casos (nível de evidência 4), e a heterogeneidade metodológica impediu qualquer análise estatística mais robusta ou meta-análise.
Segurança e tolerância
No geral, a dieta foi considerada segura e bem tolerada pelas crianças. Efeitos colaterais foram leves e manejáveis. Casos de hipoglicemia e cetose excessiva (hipercetose) foram observados, mas controlados com ajustes na dieta. Os sintomas gastrointestinais mais frequentes incluíram constipação e vômitos, resolvidos por modificações no plano alimentar. Não houve relatos de complicações renais, infecções ou outras reações adversas graves. Um aspecto positivo foi a ausência de elevação significativa da glicose em pacientes sob uso de corticosteroides, uma medicação comum nesses casos, que tende a aumentar os níveis glicêmicos.
A adesão ao protocolo cetogênico foi considerada viável, inclusive em pacientes com alimentação por sonda enteral. A recusa alimentar por parte de algumas crianças foi resolvida com a inclusão de alimentos ricos em triglicerídeos de cadeia média (TCM), como shakes e ovos mexidos. Em alguns casos, os pacientes continuaram voluntariamente a dieta mesmo após o fim dos estudos.
Questões nutricionais e qualidade de vida
O impacto da dieta cetogênica sobre o estado nutricional variou. Quatro crianças mantiveram ou melhoraram seus parâmetros de crescimento, e uma teve melhora do índice de massa corporal. Além disso, o uso de suplementos vitamínicos e minerais foi frequente, dada a natureza restritiva da dieta. Os autores alertaram para o risco de deficiências nutricionais e recomendaram o acompanhamento contínuo com nutricionistas especializados.
Quanto à qualidade de vida, cinco pacientes relataram melhorias, incluindo retorno à escola e recuperação de funções cognitivas e motoras. No entanto, quatro crianças apresentaram deterioração neurológica, o que possivelmente se deveu à progressão da doença e não à dieta em si.
Limitações e recomendações
Os autores destacam que, apesar dos sinais positivos, os resultados devem ser interpretados com cautela. A baixa qualidade metodológica, o tamanho reduzido da amostra e a falta de estudos controlados e randomizados limitam a força das conclusões. Além disso, as avaliações de qualidade de vida foram autorrelatadas, o que pode introduzir vieses.
Ainda assim, a revisão aponta que a dieta cetogênica pode ser uma alternativa segura e viável para crianças com tumores cerebrais, especialmente quando monitorada por equipe multidisciplinar com ênfase em nutrição clínica. O acompanhamento próximo é essencial para garantir adesão, prevenir efeitos adversos e ajustar o protocolo às necessidades de cada paciente.
Em resumo, embora os dados disponíveis não permitam afirmar com certeza que a dieta cetogênica melhora a sobrevida ou reduz tumores de forma consistente, o potencial terapêutico é promissor. A adoção dessa abordagem deve ser feita de forma criteriosa e preferencialmente em ambiente hospitalar ou ambulatorial com suporte nutricional adequado. Estudos futuros, mais robustos e controlados, são necessários para validar e ampliar esse campo de atuação terapêutica.
Fonte: https://doi.org/10.1155/jnme/7935879