Desmistificando o mito vegano: o caso de uma dieta onívora baseada em alimentos integrais e rica em vegetais


O artigo de O’Keefe e colaboradores discute a ideia de que dietas veganas seriam, por definição, a melhor opção para prevenção de doenças cardiovasculares. Segundo os autores, essa afirmação não encontra suporte robusto em ensaios clínicos de longo prazo e ignora limitações importantes de um padrão alimentar que exclui totalmente alimentos de origem animal.

A proposta central do trabalho é defender um modelo intermediário: uma dieta onívora, baseada em alimentos integrais e com forte predominância de alimentos vegetais, mas que inclui quantidades regulares e moderadas de alimentos de origem animal de boa qualidade.

Para que tipo de dieta o ser humano é biologicamente adaptado?

Os autores retomam evidências arqueológicas e anatômicas para mostrar que os seres humanos se desenvolveram como onívoros oportunistas, consumindo tanto alimentos de origem vegetal quanto animal ao longo de mais de 2 milhões de anos de evolução.

  • Ferramentas de pedra e ossos com marcas de corte sugerem consumo de carne e peixe desde pelo menos 2,6 milhões de anos.
  • A anatomia do trato gastrointestinal humano é intermediária entre carnívoros e herbívoros, com intestino delgado dominante, adequado tanto para proteínas animais quanto para carboidratos de vegetais.
  • A presença de enzimas como proteases (para proteína animal) e sucrases (para frutas) reforça essa adaptação mista.

Com base nessas observações, os autores argumentam que uma dieta que exclui completamente alimentos de origem animal (veganismo estrito) não tem precedente evolutivo na espécie humana.

Benefícios e limitações das dietas veganas e vegetarianas

O artigo reconhece que, quando comparadas ao padrão alimentar ocidental típico (rico em ultraprocessados, farinhas refinadas, bebidas açucaradas e carne processada), dietas veganas e vegetarianas apresentam algumas vantagens:

  • Menor prevalência de obesidade, diabetes tipo 2, doença hepática gordurosa não alcoólica e algumas neoplasias gastrointestinais.
  • Menores níveis de pressão arterial e de colesterol LDL.

Esses dados são derivados principalmente de estudos observacionais, nos quais pessoas que adotam dietas veganas/vegetarianas costumam, em média, apresentar também outros hábitos mais saudáveis (maior atividade física, menos tabagismo, menor consumo de álcool etc.), o que pode superestimar os benefícios atribuídos somente à dieta.

Ao mesmo tempo, os autores destacam um ponto relevante:

  • Estudos de coorte não mostram redução consistente da mortalidade por todas as causas em vegetarianos/veganos quando comparados a onívoros com estilo de vida semelhante.

Assim, o artigo defende que os benefícios observados não justificam a conclusão de que eliminar todo alimento animal seja a melhor estratégia nutricional para a população geral.

Problemas frequentes quando alimentos de origem animal são totalmente excluídos

O texto reúne evidências de que o veganismo estrito, sem suplementação e monitorização adequadas, tende a levar a deficiências nutricionais previsíveis, com repercussões em diversos sistemas do organismo.

Deficiência de vitamina B12

A vitamina B12 é obtida quase exclusivamente de alimentos de origem animal (carne, fígado, ovos, laticínios). Em dietas veganas sem suplementação, a deficiência de B12 é muito comum e está associada a:

  • Anemia megaloblástica;
  • Comprometimento neurológico e cognitivo;
  • Alterações hematológicas e imunológicas;
  • Potencial aumento de risco de alguns tipos de câncer quando a deficiência é prolongada.

Deficiência de ômega-3 de cadeia longa (EPA e DHA)

A ausência de peixes, frutos do mar, carnes de caça e ovos de animais criados a pasto leva à baixa ingestão de EPA e DHA, formas de ômega-3 diretamente ativas no organismo. O artigo destaca que:

  • A conversão do ômega-3 vegetal (ALA) em EPA é menor que 5%, e em DHA é praticamente nula (<1%).
  • Níveis baixos de ômega-3 estão associados a maior risco de eventos cardiovasculares, menor expectativa de vida e maior risco de depressão, ansiedade e doenças inflamatórias.

Deficiências minerais (ferro, zinco, cálcio, iodo, magnésio)

Dietas veganas tendem a ser ricas em grãos e leguminosas, que contêm fitatos, compostos que reduzem a absorção de minerais como ferro, zinco, cálcio, magnésio e iodo. Com isso, observa-se com frequência:

  • Ferro: níveis menores de ferritina e hemoglobina, aumento do risco de anemia, com impacto especial em gestantes e crianças.
  • Zinco: pior biodisponibilidade nos vegetais; deficiência associada a dermatites, queda de cabelo, diarreia e maior risco de depressão.
  • Iodo: estudos europeus mostram níveis de deficiência de iodo em até 80% dos veganos, com maior risco de hipotireoidismo, especialmente problemático na gestação e na infância.
  • Cálcio e vitamina D: ingestão insuficiente, associada a menor densidade mineral óssea e maior risco de fraturas.

O artigo cita meta-análises que mostram maior risco de fraturas em vegetarianos e, principalmente, em veganos, bem como densidade mineral óssea reduzida quando comparados a onívoros.

Proteína insuficiente e qualidade proteica

Segundo revisão citada pelos autores, veganos tendem a consumir menos proteína total e menos aminoácidos essenciais que onívoros. Além disso:

  • Proteínas vegetais têm digestibilidade menor;
  • Alguns aminoácidos essenciais são menos abundantes ou menos biodisponíveis em fontes vegetais.

Isso é particularmente importante em:

  • Crianças em fase de crescimento;
  • Adultos mais velhos, que precisam preservar massa muscular e óssea;
  • Pessoas com risco de sarcopenia e fragilidade.

Impacto em saúde mental

O artigo revisa estudos observacionais que associam maior frequência de depressão, ansiedade e comportamentos de autoagressão em indivíduos que evitam carne, quando comparados a consumidores de carne em populações semelhantes.

Os autores ressaltam que esses achados não provam causalidade, mas são consistentes em várias coortes e levantam a hipótese de que deficiências nutricionais típicas de dietas restritivas em alimentos animais possam contribuir para esse padrão.

Comer “do focinho ao rabo”: o papel dos alimentos animais integrais

O artigo lembra que, ao longo da maior parte da evolução humana, o consumo de animais não se restringia ao músculo:

  • Vísceras (como fígado) forneciam altas concentrações de B12, ferro, folato, zinco, selênio e vitaminas lipossolúveis;
  • Pele e ossos forneciam colágeno e matriz mineral para suporte ósseo;
  • Caldos de ossos, medula e partes menos nobres eram importantes fontes de nutrientes.

Hoje, grande parte das pessoas consome apenas cortes magros de músculo, perdendo a oportunidade de obter a densidade nutricional típica de um padrão “nose-to-tail” descrito pelos autores.

O que é uma dieta onívora baseada em alimentos integrais e rica em vegetais?

A proposta defendida no artigo é um padrão que combina forte ênfase em alimentos vegetais integrais com quantidades moderadas de alimentos animais de boa qualidade:

Ênfase em alimentos vegetais integrais

  • Vegetais variados, com destaque para hortaliças não amiláceas;
  • Frutas, principalmente frutas menos açucaradas como berries;
  • Oleaginosas (castanhas, nozes, sementes);
  • Azeite de oliva e abacate como principais fontes de gordura;
  • Quantidades moderadas de grãos integrais e leguminosas.

O artigo destaca também a importância de:

  • Comer vegetais antes dos alimentos ricos em amido na refeição, o que reduz picos de glicose e insulina pós-prandiais;
  • Usar alimentos de baixa densidade calórica (como saladas e sopas de vegetais) no início da refeição para ajudar no controle da ingestão calórica total.

Inclusão estratégica de alimentos de origem animal

Para complementar esse padrão, os autores consideram importante incluir, de forma regular e moderada:

  • Peixes e frutos do mar, de preferência de pesca selvagem;
  • Carnes de animais criados a pasto;
  • Ovos;
  • Laticínios fermentados sem açúcar (como iogurte, queijo e kefir).

Segundo o artigo, essa combinação:

  • Ajuda a corrigir ou prevenir deficiências de B12, ferro, zinco, iodo, cálcio, vitamina D, taurina e ômega-3 de cadeia longa;
  • Favorece melhor qualidade proteica;
  • Mantém os benefícios de uma dieta rica em vegetais, com menor consumo de ultraprocessados, carnes processadas e bebidas açucaradas.

Conclusão

O trabalho conclui que a ideia de que a saúde humana seria otimizada pela eliminação total de alimentos de origem animal não encontra suporte consistente nas evidências disponíveis. Dietas veganas bem planejadas podem trazer benefícios quando comparadas ao padrão ocidental típico, mas exigem monitorização cuidadosa, suplementação e acompanhamento clínico para evitar deficiências nutricionais importantes.

Como alternativa mais alinhada à biologia humana e às evidências reunidas, os autores propõem uma dieta onívora, baseada em alimentos integrais e rica em vegetais, com inclusão regular de alimentos animais de boa qualidade (peixes, frutos do mar, carnes de animais criados a pasto, ovos e laticínios fermentados sem açúcar).

Essa abordagem busca integrar o melhor dos dois mundos: a densidade nutricional dos alimentos animais e os benefícios metabólicos, cardiovasculares e de controle de peso associados a um padrão alimentar predominantemente vegetal, minimizando o consumo de alimentos ultraprocessados e carnes processadas.

Fonte: https://doi.org/10.1016/j.pcad.2022.08.001

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