A questão intrigante levantada por Henning Wackerhage e colaboradores no artigo publicado na Sports Medicine (2022) diz respeito ao fascinante paralelo entre a reprogramação metabólica de células cancerosas e de fibras musculares em processo de hipertrofia. O estudo parte de uma observação histórica de Otto Warburg, que em 1924 descreveu como células tumorais modificam seu metabolismo ao aumentar a captação de glicose e produção de lactato, mesmo na presença de oxigênio — um fenômeno que ficou conhecido como efeito Warburg. Esse processo visa gerar intermediários glicolíticos e outros metabólitos necessários para sustentar as intensas demandas anabólicas de células em crescimento.
No caso das células cancerígenas e de outras células proliferantes, esse ajuste metabólico fornece os blocos de construção para síntese de DNA, RNA, proteínas e lipídios, essenciais à proliferação. O estudo explora se mecanismo semelhante ocorre nas fibras musculares durante o processo de hipertrofia, um tipo de crescimento celular pós-mitótico no qual há aumento de volume, mas sem divisão celular.
Os autores apontam que, embora as fibras musculares não precisem replicar seu DNA como células em divisão, elas ainda necessitam de intensa produção de proteínas e de ribossomos — estruturas compostas predominantemente por RNA ribossomal — para sustentar o aumento de massa muscular. Evidências de estudos em humanos e modelos animais sugerem que a hipertrofia muscular induz maior captação de glicose e reprogramação de vias metabólicas, incluindo o aumento da atividade da via das pentoses fosfato e de enzimas associadas ao metabolismo glicolítico, como hexocinase 2, fosfofrutoquinase e isoformas de piruvato quinase (PKM2), essa última mais típica de células proliferantes e cancerígenas.
Em experimentos com culturas de miotubos e modelos animais, fatores como IGF-1 e ativação da via Pi3k–Akt–mTor mostraram-se capazes de induzir tanto a hipertrofia quanto mudanças no perfil metabólico, com maior fluxo glicolítico e ativação de vias anabólicas. Isso inclui aumento da expressão de enzimas como glicose-6-fosfato desidrogenase (ligada à via das pentoses fosfato), sugerindo um redirecionamento de metabólitos para a síntese de nucleotídeos e proteínas.
Do ponto de vista da saúde, os autores destacam que a hipertrofia muscular associada ao aumento da captação de glicose pode ter papel relevante na melhora da sensibilidade à insulina e na prevenção da obesidade. Estudos com humanos e modelos experimentais mostraram que músculos hipertrofiados consomem mais glicose, o que pode reduzir a disponibilidade desse substrato para a síntese de lipídios no tecido adiposo. Além disso, há dados que associam maior massa muscular com menor massa gorda, como observado em indivíduos com maior expressão de Akt1 ou deficiência de miostatina, além de efeitos positivos em ensaios clínicos de treinamento resistido em populações com risco de diabetes tipo 2.
Apesar dessas evidências, os autores reconhecem que ainda há lacunas a serem exploradas. Entre as questões em aberto estão a quantificação precisa do fluxo de glicose destinado ao anabolismo em músculos hipertrofiantes, o papel de diferentes modelos de hipertrofia na reprogramação metabólica e o impacto desse fenômeno no contexto do envelhecimento e doenças metabólicas.
Em conclusão, o estudo destaca que, embora a hipertrofia muscular compartilhe algumas características de reprogramação metabólica vistas no câncer — como maior captação de glicose e ativação de vias anabólicas —, trata-se de um processo fisiológico benéfico, com potencial impacto positivo na saúde metabólica. Pesquisas futuras deverão elucidar os detalhes quantitativos e regulatórios dessa adaptação.
