O consumo de carboidratos sempre foi considerado um elemento central no planejamento nutricional de atletas, sobretudo em modalidades de resistência. No entanto, sua real importância no contexto do treinamento de força e resistência muscular não havia sido sistematicamente analisada até a publicação do estudo de Henselmans e colaboradores (2022), no periódico Nutrients. O trabalho reuniu e avaliou 49 estudos que manipularam a ingestão de carboidratos, com foco no impacto dessa variável em diferentes aspectos do treinamento de força.
Contexto e objetivo do estudo
É bem documentado que os carboidratos representam o principal substrato energético para esportes de endurance, pois são metabolizados rapidamente durante atividades de intensidade moderada a alta. Já o treinamento resistido — que engloba modalidades como o powerlifting, o halterofilismo e o fisiculturismo — apresenta características metabólicas distintas, com maior dependência de vias anaeróbicas e do sistema de fosfocreatina para a geração de energia. Diante disso, os autores buscaram avaliar se o consumo de carboidratos poderia, de fato, influenciar o desempenho em diferentes cenários: ingestão aguda, após depleção de glicogênio, manipulação de curto prazo (2–7 dias) e dietas prolongadas (acima de 1 semana).
Metodologia
Os pesquisadores realizaram buscas sistemáticas em bases como MEDLINE, SPORTDiscus e SciELO, selecionando estudos com participantes saudáveis abaixo de 60 anos, que manipulavam a ingestão de carboidratos e avaliavam o desempenho em exercícios dinâmicos de força (ex.: 1 repetição máxima, repetições até a falha, volume total de treino). Os estudos foram classificados e avaliados quanto à qualidade metodológica usando a escala TESTEX.
Principais resultados
Ingestão aguda de carboidratos
Entre os 19 estudos avaliados, 11 não identificaram benefício do consumo de carboidratos em relação ao desempenho. Os efeitos positivos observados em 6 estudos ocorreram, em geral, em situações com jejum prolongado ou treinos com volume superior a 10 séries por grupo muscular. Quando comparado a placebo isocalórico, o consumo de carboidrato não apresentou vantagem. Curiosamente, um estudo mostrou que um café da manhã rico em carboidrato melhorou o desempenho em agachamento em relação ao jejum, mas não superou um café da manhã placebo sensorialmente semelhante e com poucas calorias, sugerindo que o fator psicológico (sensação de estar alimentado) pode ter papel relevante.
Depleção prévia de glicogênio
Nos 6 estudos que incluíram uma etapa prévia de depleção de glicogênio, 3 demonstraram benefício do carboidrato, especialmente quando o intervalo entre sessões era curto (2 a 4 horas). Quando havia maior tempo de recuperação (48h), os benefícios não foram observados, indicando que o organismo parece conseguir restaurar o glicogênio por vias alternativas (ex.: gliconeogênese), mesmo com baixa ingestão de carboidratos.
Manipulação de curto prazo
Os 7 estudos que investigaram dietas com diferentes teores de carboidrato por 2 a 7 dias não identificaram impacto no desempenho de força. Nem mesmo estratégias como "refeed" (reabastecimento com carboidratos) em fisiculturistas após restrição calórica alteraram o número de repetições ou o volume total.
Dietas prolongadas
Nas 17 pesquisas de longa duração (3 semanas a 3 meses), 15 não encontraram diferença no desempenho entre dietas ricas ou pobres em carboidratos, desde que o aporte calórico e proteico fosse equivalente. Um único estudo mostrou benefício para a dieta com mais carboidratos, mas esse grupo também apresentou maior consumo energético e menor perda de massa gorda, o que pode ter sido o real diferencial. Outro estudo favoreceu a dieta com menos carboidrato, porém apenas em um índice de fadiga no teste de Wingate, sem efeitos nos demais parâmetros.
Implicações práticas
Com base nos dados disponíveis, os autores concluíram que o consumo elevado de carboidratos, muitas vezes recomendado para atletas de força, pode não ser necessário na maioria das circunstâncias. O glicogênio muscular geralmente não se esgota a níveis críticos em treinos de até 10 séries por grupo muscular, sendo as necessidades de carboidrato mais relevantes em treinos com volume elevado, sessões múltiplas no mesmo dia ou em condições de jejum prolongado.
Além disso, o estudo reforça a necessidade de novas pesquisas com controles isocalóricos e placebos sensorialmente equivalentes, para diferenciar efeitos fisiológicos de respostas psicológicas ao ato de alimentar-se.
Para atletas e praticantes de musculação, recomenda-se atenção ao volume de treino e à frequência das sessões ao planejar a ingestão de carboidratos, priorizando sua inclusão estratégica quando o contexto realmente justificar.