A vida dos povos nômades das estepes da Mongólia não pode ser entendida sem observar o contraste profundo em relação às civilizações agrícolas que floresciam na mesma época. Enquanto impérios na China, na Pérsia e na Europa central dependiam de campos cultivados, colheitas e estoques de cereais, os mongóis viviam quase exclusivamente de seus rebanhos. Jack Weatherford mostra que essa diferença não era apenas material, mas refletia visões distintas sobre sobrevivência, disciplina e organização social.
Nas sociedades agrícolas, a base da alimentação estava no cultivo de grãos como trigo, cevada, arroz ou milho, dependendo da região. A vida girava em torno das estações e do ciclo da colheita. O alimento era acumulado em armazéns, controlado por elites e redistribuído segundo hierarquias políticas e religiosas. Esse sistema garantia certa estabilidade, mas também tornava essas populações vulneráveis a secas, pragas ou invasões. Quando a colheita falhava, a fome se espalhava rapidamente, minando a resistência das comunidades.
No caso dos mongóis, a lógica era completamente distinta. Sem campos cultiváveis e sem cidades fixas, eles não dependiam de armazéns ou colheitas. O sustento vinha do leite fermentado, da carne seca, dos queijos duros e da gordura dos animais que levavam consigo. O corpo se habituava a longos períodos de jejum, e a abundância surgia apenas quando um animal era abatido. Essa oscilação constante, que poderia parecer fraqueza aos olhos de uma sociedade agrícola, se transformava em força. O jejum forçava a adaptação metabólica, treinava a paciência e moldava a disciplina de um povo acostumado a suportar privação sem colapsar.
Weatherford destaca que o contraste se tornava evidente nas campanhas militares. Exércitos agrícolas dependiam de caravanas de suprimentos que transportavam sacos de grãos, vinho ou azeite, exigindo logística lenta e vulnerável a ataques. Já os mongóis levavam consigo a própria fonte de alimento: seus rebanhos. Cavaleiros podiam sobreviver por dias apenas com leite de égua fermentado, queijo seco ou pequenas porções de carne seca. Em situações extremas, chegavam a beber o sangue de seus cavalos, sem matá-los, extraindo nutrientes vitais para continuar em movimento. Essa autonomia fazia com que os exércitos mongóis atravessassem territórios imensos em velocidade inigualável.
Outro ponto ressaltado pelo autor é a relação simbólica que cada tipo de dieta estabelecia com o poder. Nas sociedades agrícolas, a distribuição de grãos e pão era instrumento político controlado por reis, templos ou imperadores. Era um alimento de massa, que unificava populações numerosas em torno de estruturas burocráticas. Nos territórios mongóis, por outro lado, o poder se expressava pela partilha da carne e do leite. O líder que organizava a divisão de um rebanho ou de uma caça conquistava lealdade não pelo acúmulo em silos, mas pela generosidade direta diante de sua comunidade. O alimento animal, consumido em grupo, reforçava a proximidade entre guerreiros e chefes.
Esse contraste também tinha reflexo na saúde e na resistência física. Populações agrícolas estavam sujeitas à monotonia nutricional dos grãos, frequentemente acompanhada de carências vitamínicas e episódios de fome coletiva. Os mongóis, mesmo sem variedade de vegetais, sustentavam-se com nutrientes densos vindos da carne, da gordura e dos laticínios. O jejum, longe de ser sinal de fraqueza, fortalecia a capacidade de resistência. Essa diferença explicava em parte como pequenos grupos de cavaleiros mongóis conseguiam enfrentar e derrotar exércitos numericamente superiores vindos de impérios agrícolas consolidados.
Weatherford mostra ainda que esse modo de vida moldava visões de mundo opostas. Agricultores estavam presos ao solo, dependentes de cercas, irrigação e fronteiras fixas. Já os mongóis viam o mundo como um espaço aberto, sem limites rígidos, onde o movimento era condição de sobrevivência. Essa mentalidade de constante mobilidade era sustentada pela dieta animal e pelo jejum, que tornavam cada guerreiro menos dependente de estruturas externas e mais adaptado às variações do ambiente.
A expansão de Gêngis Khan, portanto, não pode ser explicada apenas por sua genialidade militar. Ela se apoiava em um contraste profundo entre dois modos de vida. De um lado, impérios agrícolas ricos, mas lentos e vulneráveis às crises de abastecimento. De outro, um povo moldado pela carne, pelo leite e pelo jejum, capaz de resistir à escassez e de se mover com rapidez. A centralidade dos alimentos de origem animal e da prática do jejum não era um detalhe da cultura mongol, mas um fator decisivo que permitiu a conquista e a administração de um império que se estendia da Ásia até a Europa.
Assim, a obra de Weatherford ajuda a compreender que a história da ascensão mongol não se resume à tática de guerra ou à habilidade política. Ela mostra que a base material da força estava na forma como esses homens e mulheres se alimentavam e como encaravam a escassez. Carne, leite, gordura e jejum não eram apenas elementos do dia a dia, mas fundamentos que diferenciavam profundamente os mongóis das sociedades agrícolas contemporâneas. E foi essa diferença que ajudou a escrever um dos capítulos mais impressionantes da história humana.
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