Efeito de intervenções destinadas a reduzir ou modificar a ingestão de gordura saturada sobre colesterol, mortalidade e grandes eventos cardiovasculares: revisão sistemática de ensaios randomizados estratificada por risco


Durante décadas, várias diretrizes recomendaram reduzir gordura saturada com o objetivo de diminuir LDL-C e, por consequência, eventos cardiovasculares. O problema é que reduzir um marcador (como LDL-C) não garante, automaticamente, o mesmo tamanho de benefício em desfechos clínicos (infarto, AVC e morte). Foi nesse ponto que esta revisão sistemática buscou ser mais direta: olhar ensaios clínicos randomizados com duração suficiente e focar em resultados clínicos, além do colesterol.

O que o estudo fez

Os autores reuniram 17 ensaios clínicos randomizados (total de 66.337 participantes) que compararam dietas/intervenções para reduzir ou modificar gordura saturada versus maior ingestão de gordura saturada, com duração planejada de pelo menos 2 anos. A busca incluiu MEDLINE, Embase e CENTRAL até julho de 2025.

O diferencial foi traduzir resultados relativos (razão de risco) em efeitos absolutos por 1.000 pessoas em 5 anos, separados por risco cardiovascular basal (baixo vs alto), e interpretar se a magnitude atingia um limiar mínimo de importância clínica definido no protocolo (por exemplo, 5 por 1.000 para mortalidade e 10 por 1.000 para desfechos não fatais).

O que foi encontrado: colesterol cai, mas o impacto clínico depende do risco

1) Colesterol total e LDL-C

Em média, reduzir gordura saturada diminuiu colesterol total (diferença média ~0,34 mmol/L) e também reduziu LDL-C (~0,15 mmol/L), com maior redução quando a substituição foi principalmente por gorduras poli-insaturadas (GPU).

2) Mortalidade e eventos cardiovasculares: “mesmo RR”, mas “peso diferente” no mundo real

Nos principais desfechos, os resultados relativos ficaram próximos de pequeno benefício e com intervalos de confiança muitas vezes cruzando “nenhum efeito”. Ainda assim, quando os autores aplicaram esses RRs a riscos basais diferentes, apareceu um ponto central:

  • Risco cardiovascular baixo (<5%): as reduções absolutas estimadas em 5 anos ficaram abaixo do que eles consideraram clinicamente importante, sugerindo pouco ou nenhum benefício nesse horizonte de tempo.
  • Risco cardiovascular alto (≈20%–30%): as reduções absolutas estimadas ultrapassaram os limiares de importância para vários desfechos, sugerindo que pode haver benefício clínico relevante nesse grupo.

Exemplos diretos do quadro de resultados em 5 anos (por 1.000 pessoas):

  • Mortalidade por todas as causas: RR ~0,96; no risco baixo, cerca de 1 morte a menos por 1.000 (efeito “não importante”); no risco alto, cerca de 6 mortes a menos por 1.000 (efeito “importante”, com incerteza).
  • Infarto não fatal: RR ~0,86; no risco baixo, ~1 evento a menos por 1.000; no risco alto, ~12 eventos a menos por 1.000.
  • AVC (fatal + não fatal): RR ~0,83; no risco baixo, ~2 a menos por 1.000; no risco alto, ~8 a menos por 1.000.

O detalhe que mais muda a leitura: com o que a gordura saturada foi substituída

Nem toda “redução” é igual. Quando a intervenção substituiu principalmente gordura saturada por GPU, o efeito em infarto não fatal foi mais pronunciado:

  • Infarto não fatal com substituição por GPU: RR ~0,75, com redução absoluta estimada maior no grupo de alto risco (ex.: ~21 eventos a menos por 1.000 em 5 anos).

Isso não prova que “GPU é sempre melhor” em qualquer cenário, mas sustenta uma conclusão bem específica desta revisão: quando existe benefício clínico detectável, ele aparece com mais clareza em pessoas de alto risco e, especialmente, quando há substituição por GPU.

Limitações importantes

Este trabalho também é cuidadoso ao mostrar por que o tema segue controverso:

  • A base de ensaios incluídos vai, em grande parte, de 1965 a 2006, com contextos alimentares e terapias (ex.: estatinas) muito diferentes dos atuais.
  • Muitos ensaios tiveram alto risco de viés, e houve variação grande no quanto a gordura saturada realmente caiu e no que aumentou no lugar.
  • Houve poucos dados para substituição por gordura monoinsaturada e nenhum ensaio com substituição primária por proteína; além disso, mudanças paralelas em gorduras trans e composição de ômega-3/ômega-6 podem ter influenciado resultados em alguns estudos, sem que fosse possível separar tudo com precisão.

Interpretação prática

A mensagem final, fiel ao que os autores encontraram, é pragmática: para pessoas de baixo risco, reduzir/modificar gordura saturada tende a trazer pouco ou nenhum ganho clínico em 5 anos; para pessoas de alto risco, a mesma estratégia pode gerar reduções absolutas importantes — e os sinais ficam mais consistentes quando a troca é por gorduras poli-insaturadas.

Fonte: https://doi.org/10.7326/ANNALS-25-02229

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